VIVA – a vida é uma festa (2017) | A “fórmula” que funciona
- Patrick Levi
- 2 de nov. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

Muito se fala sobre a famigerada “Fórmula Marvel”, que a Disney usa e abusa desde 2008. Pouco se fala sobre a “Fórmula Pixar” de fazer animações, muito mais antiga. Deve ser porque, embora suas produções sigam padrões claros, não parecem filmes “qualquer coisa” — genéricos ao extremo, cujo os roteiros poderiam ter sido feitos pelo ChatGPT, Bard e afins.
A “Fórmula Marvel” só tem seu padrão reconhecido e questionado porque se revela inapetente para quem deseja uma experiência cinematográfica mais aprofundada, que continue depois do filme acabar. A “Fórmula Pixar”, não. A “Fórmula Pixar” não ativa no espectador a mera sensação de parque de diversões, onde o sujeito sabe o que espera, entra no brinquedo, aproveita os 2 minutos, desce e vai embora. A “Fórmula Pixar”, mesmo fórmula, é CINEMA.

Situação hipotética: namorada, depois de muita insistência do parceiro, topa ir ao cinema ver o novo (velho) filme da Marvel com ele. Namorado acha incrível, entende todas as referências, adora as sequências de ação feitas única e exclusivamente em um computador, tem apego a cada boneco 3d que aparece em tela. Acha que viu o melhor filme do ano – até que esse seja superado pelo próximo filme da Marvel que chega no mês que vem.
A namorada, por outro lado, acha até divertida a experiência (embora longa demais), mas não entende a reação exagerada do rapaz. Para ele, a culpa disso é porque ela não viu os outros 250 filmes e 79 séries.

A “Fórmula Pixar” não exige “background”. Para ter apego emocional não precisa ter lido centenas de quadrinhos nem estar acompanhando esse universo há muito. É só sentar, assistir e aproveitar. Essa é a magia de um roteiro bem feito.
Isto posto, VIVA! Há cinema na Disney. E um dos melhores exemplos disso é o “VIVA! – a vida é uma festa” (Lee Unkrich, 2017). Não é preciso muito tempo de filme, muito menos um universo já estabelecido para conseguir se conectar à história do jovem Miguel, o protagonista da animação. Ele sonha em ser um músico de sucesso. Sua família é contrária à ideia. Circunstâncias o fazem seguir numa missão pelo “mundo dos mortos”, onde conhece seus ancestrais. A fórmula está exatamente aqui: protagonista pequeno embarca em uma jornada grandiosa e para em um mundo fantástico. Você já viu esse filme antes em “Star Wars”, “Harry Potter”, “O Rei Leão”, “Cinderela”, etc. Essa estrutura, se chama “A jornada do Héroi”, mas isso é papo para outro dia.
A grande questão é que a Pixar sabe utilizá-la muito bem para criar conexão entre público e obra. Por meio das provações do personagem, normalmente uma pessoa comum, ele consegue se tornar tão grandioso quanto o desafio que encarou. O público, repleto de pessoas comuns como eu e você, compra a narrativa e torce por ele. Se Miguel consegue encarar o Mundo dos Mortos, conseguimos encarar o mundo dos vivos.
Não é surpresa que o filme saiba ser tocante — com o perdão do trocadilho, dado que o menino carrega um violão durante todo o longa —, sem ser piegas. O diretor já havia mostrado que sabia fazer isso no belíssimo “Toy Story 3”, o melhor da saga dos brinquedos falantes. Aqui, ele repete a dose certa de melancolia.

O filme é previsível, mas isso não é defeito. A busca pelo grande plot twist não é o foco aqui. O objetivo da narrativa é ser simples o suficiente para as crianças, mas engajante o bastante para entreter os adultos que as acompanham no cinema. As emoções do público, sobretudo o adulto, são mais instigadas no 3° ato. A Pixar costuma construir seus roteiros para que o final sustente o grande momento de emoção. E funciona.
Embora “Viva” siga a fórmula tradicional em muitos aspectos, sua história é catártica. A canção-original "Recuérdame", em tradução livre “Lembre de mim”, é fundamental para o desenvolvimento da trama e para provocar o choro do espectador. Sem precisar assistir 30 filmes anteriormente e sem apelar para promessas vazias em cenas pós-créditos, “VIVA” só precisa de 1h45min para atingir em cheio o público, independentemente da idade dele. Animação da Pixar é coisa de criança, mas não precisa ser só dela.
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