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Temple of Shadows - A Obra Prima do Angra

Atualizado: 1 de jul. de 2024

O Moqueka hoje é musical, porque é dia de falar sobre o álbum mais lendário de uma das bandas mais importantes do metal brasileiro. O papo vai ser sobre o “Temple of Shadows”, que este ano comemora seu vigésimo aniversário e até hoje um dos trabalhos mais memoráveis do Angra.


Antes de falar sobre essa obra, vale primeiro conhecer um pouquinho sobre a banda. Fundada no início da década de 90 pelos amigos de faculdade André Matos (vocalista) e Rafael Bittencourt. (guitarrista), o grupo surgiu de cara com a proposta de unir o heavy metal, a música clássica (formação acadêmica de André) e ritmos brasileiros. Utilizando de seus conhecimentos prévios da indústria pelos anos cantando na banda Viper, André tinha a experiência que possibilitou para que o Angra gravasse suas primeiras demos. Mas para completar a banda, chegaram, o baixista Luís Mariutti, o baterista Marco Antunes e o também guitarrista Kiko Loureiro.


O primeiro álbum do grupo foi um sucesso logo de cara, sendo capaz de misturar todas suas influências e fazendo o “Angels Cry” (1993) um clássico do Power Metal (também conhecido como metal melódico). O disco fez um sucesso estrondoso do Japão, pavimentando a banda como uma das mais interessantes novidades desse cenário musical. Seu sucessor, o “Holy Land” (1996) — já contando com Ricardo Confessori nas baquetas — foi mais um grande trabalho, sendo o primeiro “Álbum Conceitual” do grupo, incorporando os estilos do Brasil numa obra que falava sobre a invasão portuguesa no país no século XVI.


Contudo, após esse grande trabalho, que certas desavenças internas começaram. André Matos cogitou deixar a banda, e para seu lugar viria o vocalista do Symbols, Edu Falaschi. Entretanto, André ficou para seu último álbum no Angra, o “Fireworks” (1998), que mesmo tendo muita qualidade, já não foi tão aclamado como os antecessores e dessa vez abraçando uma sonoridade mais pesada direta. Assim, com a chegada do novo milênio, o grupo passou por grandes mudanças, Matos, Mariutti e Confessori saíram e junto ao irmão de Luís, Hugo Mariutti, formaram a banda que seria a “rival” do Angra, o Shaman. Para preencher o rombo, vieram o baixista do Karma, Felipe Andreoli (não confundir com o apresentador), o baterista do Hangar, Aquiles Priester e o já conhecido, Edu Falaschi para os vocais.


Com a reformulação, o próximo álbum não poderia ter um nome mais significativo, “Rebirth”, abraçando essa nova fase como um renascimento do grupo. Dito e feito, mais um grande sucesso de crítica e público, que ganhou até um EP (extended play) complementar e versão ao vivo, coisa que só o “Holy Land” tinha conseguido. Mas é agora que finalmente vamos chegar no ponto desse texto, o maravilhoso “Temple of Shadows” (2004).



Esse disco é considerado como um álbum conceitual, onde acompanhamos a trajetória de “Shadow Hunter” (Caçador de Sombras em português), um cavaleiro encarregado pela Igreja Católica de participar nas Cruzadas, no século XI. Durante a obra vamos escutar os desdobramentos das ações do protagonista e como todo o seu entorno afeta a sua fé.


“Temple of Shadows” não é apenas profundo pelos seus temas, mas também no lado musical. Assim como no projeto antecessor, Rafael Bittencourt lidera na composição das letras, mas nas músicas divide o trabalho com Kiko Loureiro e Edu Falaschi.


"Deus Le Volt!" inicia o álbum de forma totalmente instrumental, criando o clima para a jornada que está a seguir.


Em “Spread Your Fire”, nosso protagonista reflete sobre o bem e o mal, observando que até mesmo Lúcifer é filho de Deus. Mas em meio a isso, um rabino incentiva o Shadow Hunter para o caminho da fé, dizendo que seu destino, segundo Deus, seria de espalhar os ideais e conhecimentos da igreja pelo mundo por meio de sua espada. Sendo uma ligação óbvia com o nome da música, na busca por espalhar o seu fogo mundo afora.



“Angels and Demons” mostra os questionamentos do nosso protagonista durante a sua caminhada religiosa. Tendo pensamentos mal vistos por semelhantes, visto que em meio a matança e destruição que eles estão gerando, aquilo não poderia ser correto, Deus já não significa mais “Amor”. Visto que até mesmo amar, seria volátil, mudando seu significado perante quem está o propagando.


Já na “Waiting in Silence” o Shadow Hunter se casou com uma mulher muçulmana e teve dois filhos, contrariando completamente o entendimento e pensamentos da Igreja. Assim, recusando o “chamado” de ser um cavaleiro, devotando sua vida a um proposito divino e escolhendo por constituir família, pondo de lado sua suposta missão. Mas mesmo assim, se sentindo aprisionado pelas ordens religiosas, sendo uma gaiola, lhe impedindo de voar livremente e despreocupado no mundo de seus sonhos.


Nesse seguimento, “Wishing Well” acontece na mente do nosso protagonista. Assim, se lembrando das palavras que o rabino lhe proferiu em outrora, construindo sua reconexão com Deus e a fé, mas de uma forma independente da Igreja, de uma forma que seria de valor individual a ele. Sendo esse poço dos desejos, não uma dependência mágica de sonhos realizados, mas de confiar e se guiar para os seus objetivos.


“The Temple of Hate” fala da hipocrisia de matar e destruir enquanto supostamente estaria pregando em nome da fé e religião, se utilizando de falsos pretextos para conquistar. Nesse momento ocorre a morte da esposa e filhos do Shadow Hunter, por serem muçulmanos. Já fora da história, a música tem uma participação muito especial, Kai Hansen (Helloween e Gamma Ray) junto ao Angra é algo lindo de se ouvir.


Agora é vez de uma das melhores faixas do álbum, a famosa “The Shadow Hunter”. Nosso protagonista continua sua jornada, mas uma prostituta cigana lhe confronta com cartas indicando que o amor iria desviá-lo de sua verdadeira missão. Em meio a busca de respostas para as perguntas que o atormentam, sua conversa continua e ele finalmente descobre do assassinato de sua família. Assim, se revoltando e perdendo novamente a fé, colocando-se completamente contra Igreja, afirmando que a busca santa da instituição era vazia, sem propósitos, tal qual o sentimento de caçar sombras.



“No Pain For The Dead” é o momento de luto do protagonista, encarando os fatos e enterrando sua família. Continuando seus questionamentos sobre a motivação dessa Guerra Santa, mas, ao mesmo tempo, tendo um certo conforto por seus entes terem descansado, sem precisarem mais enfrentar toda essa desgraça. Então ao entender que sua dor será eterna, sendo necessário seguir em frente, sem pena aos mortos. Essa música conta a participação da Sabine Edelsbacher (Edenbridge) nos vocais, uma adição super diferenciada, que acrescenta demais.


Já “Wings of Destination” se utiliza do acontecimento real que foi a Conquista do Castelo de Xerigordo, como tentativa de “liberar” Jerusalém dos muçulmanos, evento em que teria sido o cenário da morte da família do Shadow Hunter. Nesse momento do álbum, esses acontecimentos já passaram e o protagonista teria se ferido durante o conflito, caindo e sonhando com o Templo de Salomão, clama pela interseção de Deus para por um fim nesses conflitos. Outra participação especialíssima do disco é de grande Hansi Kürsch (Blind Guardian).


Em “Sprouts of Time” estaria acontecendo o momento de mudança do Shadow Hunter, ele funda a própria religião, pregando contra a Igreja, evidenciando todos os seus males e destruições em nome da fé. Ao invés disso, as pessoas deveriam prazer pelo amor, pela união e família. Continuando seu discurso para quem quisesse lhe ouvir, mesmo que essa sua posição fosse se tornar um alvo para Igreja.


Contudo, “Morning Star” temos a revelação de que tudo que aconteceu na música anterior havia sido um sonho. Ele continuava gravemente ferido, sendo carregado por homens muçulmanos durante o amanhecer. Ele é cuidado pela irmã dos homens, Laura, aonde vai se lembrando dos momentos de dor física e espiritual que sofreu e como essas coisas abriram seus olhos para novas percepções. Nesse ponto ele aceita sua morte, entende que logo mais irá se encontrar com essa “Estrela da Manhã”, que no sentido bíblico pode ser Deus ou até mesmo o Diabo, representando a complexidade de bem e mal, além das percepções de cada pessoa.


“Late Redemption” é particularmente a minha predileta da obra, um trabalho verdadeiramente primoroso, e tem uma maravilhosa participação do inigualável Milton Nascimento. Aqui temos os últimos momentos do Shadow Hunter, quando é visitado por anjos (ou demônios) e reflete sobre sua vida, e de como ela foi desperdiçada em um propósito completamente vazio. Todavia, ele teve o tempo de reconhecer esses erros e abrir os olhos antes de sua morte, significado uma redenção, uma redenção tardia, morrendo redimido.



Terminando assim como começamos, "Gate XIII" é uma orquestra instrumental, que reprisa momentos das outras músicas, simbolizando que se vive a vida tirando a vida dos outros, acaba a vida, mais vida começa. A cobra come sua cauda.


De fato, ao olhar para a ordenação das músicas a história definitivamente fica bem confusa e enigmática, dizem que foi realmente o intuito de Rafael Bittencourt. Possivelmente para que os acontecimentos não soassem como um enredo totalmente direto, sendo necessário uma reordenar a obra. E nesse aspecto, acredito que o correto seria: Deus Le Volt, Spread Your Fire, The Shadow Hunter, Morning Star, Wishing Well, Waiting Silence, The temple of Hate, No Pain for the Dead, Winds of Destination, Sprouts of Time, Angels and Demons, Late Redemption e Gate XIII.

Com certeza a história de Temple of Shadows acaba dando um clamor ainda maior para a obra, mas mesmo se as letras não tivessem essa profundidade, já seria um trabalho excepcional. Nenhuma das faixas é dispensável, mesmo que a inicial e final não contenham letra, ajudam na composição de clima, estética e universo para embarcarmos nesta viagem.


Esse quinteto do Angra pode não ser unanimidade sobre o melhor em cada posição, mas definitivamente construíram uma obra que soa perfeita por meio desse conjunto. Edu, Rafael, Kiko, Felipe e Aquiles estão em uma sintonia musical que é nada menos que fenomenal, um apuro técnico incrível e jamais maçante. Junto a isso, as participações de Sabine Edelsbacher, Hansi Kürsch, Kai Hansen e Milton Nascimento não são meros nomes adicionais, são relevantes e acrescentam muito às suas respectivas partes.


A mensagem e sacrifício de Shadow Hunter não foi atingida dentro de seu universo, mas é passado para nós, os espectadores do Temple of Shadows. Essa tentativa de falar com o povo dentro da obra foi apenas uma alucinação, o seu sonho de expor os crimes e erros da Igreja, mas ele definitivamente deixa as barreiras da ficção, sendo ouvida pelos milhões que escutaram o álbum no longo desses 20 anos, queiram você ouvir as palavras do Shadow Hunter, ou apenas fechar os olhos e aprecias as melodias que as compõem.


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