Por trás das Câmeras | Kleber Mendonça Filho
- Victor Lee
- 9 de abr. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

Você já deve ter ouvido falar ou assistido a Bacurau, mas você sabe quem está por trás das câmeras? Então, que bom que está aqui para conhecer um pouco mais de Kleber Mendonça Vasconcelos Filho.
Kleber Mendonça Filho, como é mais conhecido, é natural de Recife e, antes de se tornar um dos principais nomes do cinema nacional, cursou jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde descobriu sua paixão pelo cinema e se tornou crítico.
Durante o ano de 1998, foi responsável por publicar diversas matérias e críticas no site CinemaScópio, o primeiro website pernambucano dedicado ao cinema. No mesmo ano, tornou-se coordenador de cinema na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), onde trabalhou e se aperfeiçoou durante 18 anos. Porém, para nossa sorte, deixou o cargo em 2016, buscando focar mais na carreira de cineasta, e coincidindo com o lançamento de Aquarius.
Um dos pontos mais fortes de Kleber é como seu olhar crítico conseguiu absorver as melhores influências para seu trabalho. Com um currículo impressionante, tanto no âmbito nacional quanto internacional, seus curtas e filmes sempre tentam mostrar uma visão social inovadora, tornando seu estilo uma assinatura própria.
Dessa forma, vamos conhecer um pouco mais de suas obras e trazer Kleber para o primeiro "Por trás das câmeras"!
Eletrodoméstica (2005)

Reprodução/ CinemaScópio
Em uma rua de classe média em Recife, vive uma família típica da década de 90, composta por uma mãe e seus dois filhos. No curta, conhecemos um pouco do dia a dia desta família e da sua casa repleta de eletrodomésticos um tanto quanto supérfluos, capazes de fazer muito barulho.
Mesmo lançado em 2005, “Eletrodoméstica" nos mostra uma visão muito atual do que passamos hoje em dia com a forte cultura do consumo, o uso excessivo de aparelhos tecnológicos, e de como eles compõem o cenário na trama e na comunicação com cada personagem, especialmente a mãe.
Ligar, desligar, limpar, falar, varrer, passar…. Fumar… Ligar, desligar, limpar, lavar… É hora de centrifugar…
Noite de sexta, manhã de sábado (2007)

Reprodução/ CinemaScópio
Nesta obra de quase 16 minutos conhecemos Pedro e Dasha, um casal apaixonado que mesmo junto, está separado, por conta da distância entre os dois. Enquanto ele vive sua vida agitada nas noites de sexta em Recife, ela passeia pela vida pacata na cidade de Kiev.
O curta vai além da Semiótica e deixa as linhas visíveis, assim como o filtro preto e branco nas cenas desde o início, mostrando a complexidade do casal. Sem dúvidas, a dificuldade de Pedro e Dasha representa diversos casais de antigamente, muito pelo ano de lançamento e o não desenvolvimento da internet na época.

Os dois conversam bastante e tentam se conectar através da ligação, como se estivessem se encontrando. Porém, ao decorrer do tempo, é nítido ver a dor deles. Respirar e não ter tanto assunto? Entrar no mar do amor? Ou viver nas areias do destino?
Recife Frio (2009)
O curta-metragem "Recife Frio" conta uma história fictícia, ou até mesmo poderia ser considerado uma sátira sobre a capital de Pernambuco. Mostrando uma realidade onde, após passar por uma desconhecida mudança climática, a cidade quente e tropical se torna fria e chuvosa, enfrentando uma forte desigualdade social.

Reprodução/ CinemaScópio
A trama parece algo engraçado à primeira vista, quando pensamos: "Ué, mas Recife fica no Nordeste, uma das regiões mais quentes do Brasil". No entanto, é aí que o filme nos surpreende, trazendo uma verdadeira reflexão sobre as mudanças climáticas que estão cada vez mais evidentes no planeta.
Outro ponto interessante e frequente em seus trabalhos é o poder da narração, o qual consegue realizar com clareza e até um pouco de humor. Cada pessoa entrevistada expõe sua vivência antes e depois de vivenciar o "Recife Frio". Apesar de transmitir uma vibe de documentário fictício, suas metáforas estabelecem uma premissa enriquecedora tanto para quem assiste pela primeira vez, quanto para quem revisita a obra.
Recife Frio é um curta blockbuster! Com mais de 50 prêmios no Brasil e no exterior, o filme se tornou o curta-metragem brasileiro mais premiado desde Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado.
O som ao redor (2012)
O que falar de “O som ao redor”? Sinceramente, um dos melhores filmes nacionais que já vi. A obra apresenta uma rua de classe média na zona sul do Recife (algo que já conhecemos do Kleber), mas tudo muda na vida desses moradores quando um grupo de seguranças privados se estabelece no local. Ao mesmo tempo em que alguns apoiam a tranquilidade trazida por eles, outros passam por momentos de estresse.

Reprodução/ CinemaScópio
Muitos podem achar a premissa simples ou até sem sentido por não trazer um personagem com foco central e sempre mostrar o cotidiano de cada casa. Mas "O som ao redor" vai muito além de só mostrar o que queremos ver ou até ouvir. Kleber Mendonça nos faz questionar do início ao fim do filme: um exemplo disso são as fotos em preto e branco que representam a história do povo pernambucano, os casarões e a lavoura de cana-de-açúcar, até chegar ao momento atual.
Um grande destaque desta obra são os efeitos práticos. Além de dirigir e escrever o roteiro, Kleber Mendonça Filho também foi responsável pela montagem, em conjunto com João Maria, e pela montagem de som, ao lado de Simone Dourado, fazendo assim, um espetáculo com cada captura. Isso sem contar com a direção de fotografia realizada pelo Pedro Sotero (o querido Pedro do curta de 2007), que é simples e muito bem feita.

Reprodução/ CinemaScópio
Contudo, eu fiz essa pergunta umas cinco vezes depois que acabei o filme: Seria O SOM AO REDOR A CONEXÃO ENTRE TODAS AS OBRAS DO KLEBER?! Para saber a resposta, vai conferir e abraçar os trabalhos desse grande diretor.
Aquarius (2016)
O que você faria por um lugar que te traz lembranças de boa parte da sua vida? É com essa pergunta que eu te apresento a Clara, uma mulher forte que enfrentou um Câncer quando mais nova e hoje, aos 65 anos, é mãe de três adultos, viúva e uma grande jornalista aposentada. Ela mora em um apartamento localizado na Av. Boa Viagem, em Recife, onde criou seus filhos e viveu boa parte de sua vida.

Reprodução/ CinemaScópio
As coisas na vida de Clara começam a tomar um rumo inesperado quando uma construtora interessada em construir um novo prédio no local onde ela mora adquire quase todos os apartamentos do edifício, exceto o dela. Mesmo deixando claro que não pretende vendê-lo, Clara enfrenta todo tipo de assédio e ameaça para mudar de ideia.
Um dos pontos-chave desse drama é a divisão em três atos: "O cabelo de Clara", "O amor de Clara" e "O câncer de Clara". Cada parte é fundamental para apresentar um aspecto da vida da personagem.
Cada parte é fundamental para apresentar um aspecto da vida da personagem, como o amadurecimento de sua família, as amizades antigas, e um novo amor, trazendo o presente e revivendo o passado com novos olhares. Dessa forma, entender a mente de uma jornalista nos faz captar o valor sentimental de cada momento e elemento de formação de um ser humano.

Reprodução/ CinemaScópio
Outra perspectiva importante é a metalinguagem do cinema nacional e o simbolismo de "Aquarius" na valorização da cultura brasileira e de nossos patrimônios, muitas vezes esquecidos e ameaçados pela especulação imobiliária.
Assim, Kleber, Sonia Braga e o grande elenco mostram mais uma vez o que é fazer CINEMA!
Retratos Fantasmas (2023)
"Retratos Fantasmas" é o trabalho mais recente do diretor e um dos mais pessoais. A obra é um documentário ambientado no centro de Recife, durante o século XX até os dias atuais. Durante o filme, é possível entender um pouco de onde vem toda a paixão de Kleber por sua cidade natal.

Reprodução/ CinemaScópio
Além de reunir imagens de arquivo, fotografias e registros em movimento, o filme busca explorar a história do centro da cidade, contada a partir das salas de cinema que movimentavam a população e ditavam comportamentos, sem contar nos bastidores e curiosidades narradas por ele ao longo da história.
O documentário marca o retorno de Kleber ao Festival de Cannes, onde ele já tinha ganhado um prêmio em 2019 com Bacurau. Outro ponto bem curioso foi o tempo de duração, tendo levado 7 anos para sua conclusão, já que precisou resgatar arquivos antigos e compilar com seus antigos vídeos e curtas.
Falando assim, parece até fácil, mas só quem trabalha com edição sabe.

Reprodução/ CinemaScópio
Enfim, o que seria esse "Retrato" ou até mesmo o que seria esse "Fantasma"? Bom, entender que o retrato é a arte de registrar tanto no âmbito histórico quanto no meio artístico. Assim, o "Retrato" de Recife é a sua identidade. Já o "Fantasma" podemos compreender como algo que desaparece, mesmo estando ali. Dessa forma, o documentário traz a visão da identidade do Recife, que ao longo dos anos vai se modificando sem perder sua essência.
Corta! Sem dúvida, Kleber já demonstrou inúmeras vezes o quanto o cinema nacional pode ser reinventado e nos surpreender. Sempre expressando seu sentimento e amor pela cidade de Recife, ele consegue capturar um pouco de cada brasileiro em suas histórias, seja dirigindo ou escrevendo. O primeiro episódio de "Por Trás das Câmeras" não poderia ser sobre outro diretor que não Kleber Mendonça Filho, que aos poucos deixa sua marca por onde passa.
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