CRÍTICA | Guerra Civil: O show do jornalismo tem que continuar
- Roger Caroso
- 18 de abr. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

O grande lançamento da semana é o novo filme do diretor Alex Garland, Guerra Civil. Não, não estamos falando do terceiro filme do Capitão América – esse lançado em 2016 – o assunto hoje é o longa sobre um grupo de jornalistas em uma zona de guerra nos Estados Unidos, protagonizado por Kirsten Dunst, Cailee Spaeny e Wagner Moura.
Em um futuro próximo, os EUA se encontram no meio de um conflito civil entre o atual governo autoritário contra as forças unidas do Texas e da Califórnia (ou, Forças Ocidentais). Nessa situação, o repórter Joel (Moura) e sua colega fotojornalista Lee Smith (Dunst) querem ser os primeiros a entrevistar o presidente depois de 2 anos sem depoimentos públicos. Contudo, mesmo o mandatário sendo bem protegido, seu reinado está perto de ruir, visto que as Forças Ocidentais estão indo à Washington D.C. para destroná-lo.
Durante a estadia da dupla em Nova York, Lee fotografava uma manifestação, quando a jovem aspirante a fotojornalista, Jessie Cullen lhe reconhece e conta que a considera como uma de suas heroínas na profissão. No decorrer do protesto, a polícia intervém, mas em seguida uma pessoa armada com uma bomba comete um ataque suicida, que iria matar Jessie, caso Lee não salvasse a garota. O jornalista veterano, Sammy (Stephen McKinley Henderson), mesmo estando parcialmente debilitado, aproveita a ida de Joel e Lee para a capital e pede para acompanhá-los até Charlottesville. Jessie retorna e os convence de também embarcar nessa road trip pela nova América devastada.

O filme propositalmente não apresenta os fatos e motivos que levaram o país até um conflito interno, mostrando apenas que esse ponto chegou e pode estar mais perto do que imaginamos. Alex Garland utiliza-se do atual retrato sociopolítico americano para elevar as situações e problemáticas, seja com a caricatura de Donald Trump, seja com a improvável aliança entre Califórnia e Texas. Por mais que o quadro geral nunca chegue ao espectador, é exposto constantemente que o presidente é autoritário e recusou-se a deixar a Casa Branca com fim do segundo mandato.
Quando se trata de uma obra abertamente política, o tema há de ser debatido e explorado. A leve pincelada do longa sobre seus conflitos não satisfaz o espectador, que fica na expectativa de entender melhor de onde surgiu a situação e como escalonou até esse ponto. Se engana quem acha que se trata de um esquecimento do diretor ou uma falha do roteiro, o filme em si tem como proposta não sabermos exatamente o que se passa. Jogar o público no escuro, ao lado de agentes que buscam apenas recordar sem se envolver, é no final das contas uma escolha que se pagou como divisiva a quem assiste Guerra Civil

Um dos temas centrais, senão o grande tema do filme, é a banalização com que um jornalista trata situações dessa magnitude. Gerando um contraste recorrente entre o perfil veterano e sangue-frio da Lee com a inocência e atordoamento de Jessie. Enquanto uma traz um tom quase apático e de normalidade, a outra se encontra atônita, sem chão, sequer capaz de registrar os momentos que vê.
No meio delas, o viciado por ação, o homem que precisa da adrenalina, que enxerga grandes oportunidades no meio do horror, este é Joel, um cara imparável, energético e charmoso, mas há que enxergue tudo isso como uma máscara para não ser tão afetado pelo entorno.
Os jornalistas aqui vestem uma capa de importância, de que independente de quem está acompanhando, de quais públicos vão receber a informação, o fato precisa ser registrado, alguém sempre precisa testemunhar e reportar os acontecimentos. Dentro desse recorte, alguns vão considerar que o longa se absteve de comentários mais profundos, mostrando um receio em dar nome aos bois.

Sobre as atuações, é claro que para o público brasileiro – especialmente o baiano – o papel de Wagner Moura no filme vai se sobressair, vamos prestar mais atenção e buscar nosso vínculo afetivo com o personagem. Por sorte, ou melhor dizendo, talento, do conterrâneo soteropolitano, ele está DEMAIS. Joel é o “easy-going guy” que tranquilamente poderia ter sido interpretado pelo Matthew McConaughey e Wagner consegue entregar todas suas nuances. Desde esse perfil quase canastrão e Bon vivant, até suas fragilidades de anseios. Ele é, sem sombra de dúvidas, um cara com alcance, esse filme dá o espaço para ele brilhar em diferentes espectros de atuação.
Depois de um grande trabalho em “Ataque dos Cães” (2021), Kirsten Dunst volta às telas com mais uma personagem sofrida. Na crosta, Lee é a mulher forte e independente que já deixou o sentimentalismo de lado a muito tempo, mas indubitavelmente, ele ainda é humana. Os reflexos da viagem vão se pagando e pesando sobre a personagem, com Dunst sendo capaz de trabalhar essa constante espiral de alguém tão à beira do colapso, que parece a pessoa mais calma na sala. Se o filme fosse lançado em uma época mais propícia para as premiações, acredito que valeria campanha para Melhor Atriz, não seria fácil, mas valeria a tentativa.
Cailee Spaeny despontou no cenário mundial no ano passado ao interpretar a jovem Priscilla Presley em seu filme homônimo. Aqui novamente sua personagem tem pouca idade, possuindo personalidade forte e obstinação, ao menos na cabeça dela. A inversão de papéis de Jessie mentora nos é entregue durante toda a rodagem, buscando uma circularidade quase artificial… Mas Spaeny é competente e consegue transparecer muito bem nas cenas intensas.
Dentre os mais coadjuvantes, Stephen McKinley Henderson é um cara que dificilmente vai estar abaixo da média, uma lenda do teatro, que sempre tem atuações extremamente sólidas. Todavia, um dos destaques mais curiosos desse longa é o personagem de Jesse Plemons. Mesmo não tendo o espaço de outros, a sua construção é marcante, tendo um dos momentos que todo mundo vai sair do cinema comentando e lembrando desse episódio super tenso.

Alex Garland mantém o seu time habitual, que permanece impecável. A fotografia de Rob Hardy ganha sequências especiais para ser ressaltada muito apreciada, foco especial em uma cena envolvendo uma queimada florestal, que se torna uma viagem quase cósmica. A trilha da dupla Geoff Barrow e Ben Salisbury ajuda nessa construção da atmosfera de grande tensão, que é também bem apoiada pelo trabalho das equipes de edição e mixagem de som.
O filme definitivamente embarca na tensão generalizada, fazendo jus ao nome suspense. No meio de um grande escopo de guerra, caos e tensão, com momentos de realmente ficar na ponta da cadeira do cinema, ele também apresenta suas quebras para pensamentos morais, inseguranças e até mesmo de apreciação do mundo lá fora. Essa receita entrega ao espectador os pontos-chave para a construção do relacionamento com a obra, que culmina em mais uma cena envolvendo a ética e moral profissional do jornalismo.
Guerra Civil é um dos melhores filmes do início de 2024, sabendo mesclar a tensão com as relações, mas que certamente se valeria se maior aprofundamento temático. Um trabalho tecnicamente de altíssimo nível, com atuações no ponto em um roteiro que instiga, apresenta, mas não explora todo seu potencial.
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