Frankenweenie, Frankenstein e os francos monstros da Universal
- Alan Pinheiro
- 24 de out. de 2023
- 9 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

Uma das partes mais importantes do enredo de um filme de horror é a presença de uma ameaça. É preciso de um antagonista cuja presença sinistra impacte o público e represente perigo. Nessa lacuna, os monstros se encaixaram de forma perfeita na função e se tornaram um dos grandes marcos do horror no cinema. Frankenweenie, longa dirigido por Tim Burton, é uma dessas obras, mas o stop motion se aproveita da história clássica de Mary Shelley para homenagear as criaturas mais famosas do século XX, os monstros da Universal.
Franken…?
Lançado em 2012, Frankenweenie conta a história de Victor Frankenstein, um garoto de onze anos que adora fazer filmes caseiros de terror, quase sempre estrelados por seu cachorro Sparky. Quando o cão morre atropelado, o garoto fica triste e inconformado. Inspirado por uma aula de ciências que teve na escola, onde um professor mostra ser possível estimular os movimentos através da eletricidade, ele constrói uma máquina que permite reviver Sparky. O experimento deu certo, mas o que Victor não esperava era que seu melhor amigo voltasse com hábitos um pouco diferentes.

A trama do stop motion é claramente uma adaptação do clássico de 1818. Por isso, a chance da produção se tornar só mais uma tentativa de filme do livro era grande. Aliás, existe uma quantidade absurda de adaptações da história do cientista que consegue dar vida a um cadáver. A primeira do Frankenstein no cinema foi em 1910, uma produção de Thomas Edison (isso mesmo, o famoso inventor). Em 1994, Robert De Niro assumiu o papel da criatura em um longa dirigido por Kenneth Branagh. E até filme de comédia aconteceu, já que em O Jovem Frankenstein (1974), o lendário Mel Brooks satiriza a figura do monstro de Frankenstein e toda a sua mitologia.
Enfim, ainda tiveram mais obras cinematográficas sendo lançadas em 1943, 1969 e mais duas na década de 80. Porém, a versão de 1931 não só é considerada como o melhor filme, como também redefiniu o próprio romance de Mary Shelley. Esta adaptação deu a aparência mais conhecida do monstro, com uma cabeça chata, eletrodos no pescoço e movimentos pesados e desajeitados (apesar do livro descrever a criatura como extremamente ágil). Um clássico do cinema representando um clássico da literatura não poderia ter um resultado diferente além de influenciar toda uma geração. Um desses nomes foi Timothy "Tim" Walter Burton.
Tim Burton
O cineasta americano é um dos vários diretores que já declararam o seu amor pelo terror. Seus filmes possuem uma estética única, com muitos aspectos góticos, fantasiosos, excêntricos ou sombrios. Assim como é fácil saber se um filme é do Wes Anderson ou não, as produções de Tim Burton são facilmente identificáveis.

Enquanto estudava animação na Disney, Burton trabalhou no desenho O Cão e a Raposa (1981), mas ficou insatisfeito com a direção artística do filme, o que serviu de motivação para criar dois de seus primeiros curta-metragens assinando a direção: o stop-motion Vincent e o live-actions Frankenweenie (1984).
Aliás, se você não sabe o que é stop motion, não deixe de conferir o episódio três do Troca Fitas, o podcast do Moqueka sobre subgêneros do cinema. Confira clicando aqui.
Em Vincent já havia um protótipo do que seria o longa-metragem de 2012. Além da animação em stop motion, o curta conta a história de um menino que deseja ser cientista. Mas as semelhanças param por aí, porque Vincent Malloy é uma criança sádica e sem escrúpulos. Uma pessoa que não sente remorso em usar animais para experimentos ou mesmo imaginar a própria tia sendo transformada em um boneco de cera.
Já o live-action de Frankenweenie é a primeira versão da história que seria readaptada anos depois. Aqui, toda a trama dos amigos de escola de Victor não existe e o foco está na volta a vida de Sparky, que é visto como uma aberração pelos vizinhos do garoto. Apesar das duas histórias serem marcantes, matar um cachorro em um atropelamento para ser ressuscitado de forma análoga ao Frankenstein foi considerado sombrio demais pela Disney, motivo que levou à demissão de Burton.
Monstros da Universal
Sendo uma mistura direta dos curtas, o novo Frankenweenie precisaria ir além para conseguir render um longa de 87 minutos. Por isso, Tim Burton aproveitou a história criada em 1984 e inseriu novos elementos e personagens. Em certo momento da trama, um grupo de criaturas surgem e se tornam as grandes ameaças do filme. No entanto, engana-se quem pensa que essas novas personas foram criadas a bel prazer do diretor, pois quase todos são baseados nas histórias dos Monstros da Universal.
Mas antes de falar sobre eles, é importante contextualizar o que seria isso de monstro da Universal? Primeiro, não tem nada haver com a igreja ou com o “coitado” do Edir Macedo, mas sim com a Universal Studios que, entre as décadas de 1930 e 1950, lançou mais de 40 filmes com monstros considerados, hoje, icônicos para a cultura pop. Inclusive, esse talvez seja o primeiro grande universo compartilhado do cinema, já que ocasionalmente, alguns dos monstros dividiram o protagonismo na mesma produção.
A maioria das histórias eram adaptações de romances para as telas dos cinemas, mas o material base ainda serviu para várias continuações exclusivas da sétima arte. Umas muito boas e outras claramente motivadas unicamente pelo dinheiro.
Drácula

Drácula é um romance escrito por Bram Stoker e publicado em 1897. A narrativa original é relatada por meio de cartas, anotações de diário e artigos de jornal e não tem um único protagonista, mas se inicia com o advogado Jonathan Harker fazendo uma viagem de negócios para se hospedar no castelo de um nobre da Transilvânia, o Conde Drácula. O vampiro mais famoso da história só foi chegar ao cinema em 1931, com o filme estrelado pelo importantíssimo Béla Lugosi.
Em Frankenweenie, durante uma cena do filme, a televisão da casa de Victor está transmitindo a versão de 1958, estrelada por Christopher Lee, um dos grandes ídolos do cinema para Tim Burton. Outra referência está no sobrenome da vizinha de Victor, Elsa Van Helsing, inspiração direta do famoso caçador de vampiros e nêmesis do Conde Drácula, Abraham Van Helsing.
E claro, não poderia faltar o grande vampiro, que na verdade é um pequeno gato. Quando acertado em cheio por uma descarga elétrica, o gatinho de estimação da garota estranha (estranha pra porra!) se funde a um morcego morto que estava em sua boca e se transforma em uma espécie de gato vampiro, com um par de asas e um comportamento totalmente agressivo. Inclusive, o fato do bichano sequestrar Elsa provavelmente vem da versão de Mina Harker vivida por Winona Ryder, grande amiga e colaboradora do diretor. Pesa também o fato de Winona ser a dubladora de Elsa Van Helsing no original.
O Homem Lobo

O Lobisomem é um ser lendário que é descrito como um humano capaz de se transformar em lobo em noites de lua cheia. A lenda é muito antiga e encontra a sua raiz na mitologia grega. Por isso, esse monstro não veio diretamente de um livro, mas foi em 1935 que a Universal produziu o primeiro filme famoso de lobisomem em Hollywood, O Lobisomem em Londres.
A história do filme acompanha o botânico Wilfred Glendon viajando ao Tibete à procura da Marifasa Lupina, uma flor rara que só floresce durante o luar. De volta a Londres, Glendon é visitado pelo enigmático Dr. Yogami, que conta sobre dois lobisomens serem responsáveis por uma série de assassinatos. Yogami também alega que o único antídoto é a flor Marifasa, que impede os lobisomens de machucarem aqueles que amam.
Seis anos depois, O Homem Lobo (1941) surgiu. Esse que se juntaria ao seleto hall de “estrelas monstro” da Universal. O longa mostra a transformação de Larry Talbot em um lobisomem após ser mordido no peito. Larry que havia retornado à sua casa em Llanwelly, País de Gales, para enterrar seu irmão recentemente falecido e se reconciliar com seu pai distante, Sir John Talbot. É importante mencionar que Béla Lugosi também tem um papel aqui.
No longa de Tim Burton, essa figura foi representada pelo Were-Rat ( trocadilho com as palavras “lobisomem” e “rato”, em inglês), um roedor morto que ganha vida e se transforma em uma criatura humanóide após sofrer a (milagrosa) descarga elétrica.
O Homem Invisível

Escrito por H. G. Wells em 1987, O homem invisível é um romance sobre o Dr. Jack Griffin, um cientista que inventou uma maneira de alterar o índice de refração de um corpo para o do ar. Assim, não absorve e nem reflete a luz. Ele realiza esse procedimento em si mesmo e se torna invisível, mas falha em sua tentativa de revertê-lo.
No filme da Universal de 1933, a tecnologia para deixar o protagonista da história invisível ainda não era possível, mas a produção resolveu essa situação envolvendo o personagem de bandagens e deixando os olhos obscurecidos por óculos escuros. Esse visual se tornou a marca do homem invisível.
Novamente em Frankenweenie, a referência ao monstro está no peixe dourado que Edgar leva para Victor replicar o experimento de ressuscitar os mortos. Na ocasião, o animal volta à vida, mas também acaba ganhando a mesma habilidade de Jack Griffin.
O Monstro da Lagoa Negra

Em O Monstro da Lagoa Negra (1954), uma expedição geológica ao Amazonas, no Brasil, descobre evidências fossilizadas de ligações entre animais da terra e animais aquáticos, na forma de um esqueleto com dedos com membranas. O professor Carl Maia e seu amigo David Reed conseguem dinheiro para uma nova expedição em busca de mais evidências do estranho animal. Quando chegam ao sítio arqueológico, eles descobrem que os homens que ali estavam foram assassinados. Resolvem buscar rastros da criatura em um lugar chamado Lagoa Negra, onde são atacados por uma misteriosa criatura anfíbia.
A criatura, ou Gill-Man, aparece em Frankenweenie a partir das criaturas marinhas, monstros que surgem após uma descarga elétrica em um pacote de ovos de macacos marinhos (uma verdadeira loucura). Aliás, um fato interessante é que esses bichos são inspirados nos famosos Gremlins, principalmente pelo fato de surgirem da água e explodirem bizarramente.
A Múmia

As múmias são figuras que frequentemente são apresentadas em gêneros de terror como criaturas mortas-vivas envoltas em bandagens, mas nem sempre foi assim. Grande parte das primeiras múmias na ficção eram femininas, sendo representadas, muitas vezes, como interesses amorosos do protagonista.
Foi somente a partir da década de 1930 que a "múmia romântica" foi substituída pela "múmia monstro" e o grande culpado pela nova estereotipização foi o filme de 1932, estrelado por Boris Karloff, outro ator consagrado pelas atuações nos filmes de monstro, sobretudo da Universal. (Guarde esse nome, porque ele voltará a aparecer por aqui).
Na película de 1932, uma expedição arqueológica liderada por Sir Joseph Whemple encontra a múmia de um antigo sumo sacerdote egípcio chamado Imhotep. Em uma inspeção da múmia pelo amigo de Whemple, Dr. Muller revela que, embora Imhotep tenha sido mumificado tradicionalmente, ele foi enterrado vivo. Com Imhotep, também está um caixão com uma maldição . Apesar do aviso de Muller, o assistente de Sir Joseph, Ralph Norton, abre e encontra um antigo pergaminho vital, o "Pergaminho de Thoth". Ele traduz os símbolos e depois lê as palavras em voz alta, fazendo com que Imhotep ressuscite dos mortos.
Na animação stop motion, a primeira referência ao clássico do cinema é perceptível pela aparência de Nassor, um dos colegas de Victor. A voz e a aparência de Nassor são fortemente inspiradas no aclamado ícone do terror Boris Karloff, interprete de Imhotep. Nassor, inclusive, é a tradução egípcia direta do nome inglês “ Victor ”.
Em certo momento, o menino ressuscita seu falecido hamster de estimação, Colossus, que aparece com o corpo envolto de bandagens (ou seja, é o Hamster Múmia, não tem jeito).
Frankenstein

Por último, mas não menos importante, a principal inspiração para a obra de Tim Burton. Frankenstein ou o Prometeu Moderno é um romance de terror gótico escrito por Mary Shelley. É considerada a primeira obra de ficção científica da história. No livro, é relatado a história de Victor Frankenstein, um estudante de ciências naturais que constrói um monstro em seu laboratório.
A adaptação de 1931, como citado anteriormente, foi a obra cinematográfica mais importante para essa história. O papel do monstro até chegou a ser oferecido ao Béla Lugosi, intérprete do Drácula, mas o ator húngaro recusou por não poder criar sua própria maquiagem para o personagem, além de não ter falas durante todo o filme. No final, o escolhido para dar vida ao monstro foi Boris Karloff (olha ele aqui de novo).
O monstro de Frankenstein (também chamado de demônio, espectro, desgraçado, diabo, coisa, ser, monstro, criatura de Frankenstein ou apenas Frankenstein) ganha uma nova roupagem em Frankenweenie a partir de Sparky, o cachorro morto-vivo do protagonista (que eu não preciso nem dizer em quem foi inspirado).

E falando em cães, Perséfone, a poodle de pelagem preta que demonstra interesse em Sparky recebe uma descarga elétrica em um certo momento do filme e ganha duas faixas brancas no cabelo, se assemelhando ao visual da Noiva de Frankenstein, que surgiu no filme de 1935, com o título de mesmo nome do monstro. Importante citar que a dona de Perséfone recebeu o mesmo nome da atriz que viveu a noiva nos cinemas, Elsa Lanchester.
E se tem noiva, também tem o filho. O corcunda Edgar Gore tem uma forte semelhança com Ygor, do filme O Filho de Frankenstein (1939). Isso fica claro no momento em que, em vez de atuar como assistente como o corcunda Fritz do Frankenstein original , Edgar incita Victor a realizar seus experimentos, assim como Ygor fez.

Além dos personagens, Frankenweenie homenageia toda essa era dos monstros da Universal em sua estética. Além da coloração em preto e branco, os cenários, a angulação da câmera, os planos, TUDO foi pensado como uma homenagem. Mas esse é um assunto que renderia mais 13 mil caracteres. Então, fica para uma próxima.
Opmerkingen