De Dickens a Hollywood: retrato sobre Um Conto de Natal
- Alan Pinheiro
- 25 de dez. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

Duro e cortante como uma pedra-de-fogo, da qual jamais aço algum conseguiu arrancar uma única centelha generosa, Scrooge mostrava-se taciturno, arredio e isolado como uma ostra
Dia 25 de dezembro. É Natal. Na noite anterior, a ceia foi posta à mesa, as famílias se reuniram e presentes foram trocados. Ou talvez nada disso tenha acontecido. Porém, o mais importante dessa data não é o nascimento de alguém há mais de 2000 anos, e sim o famoso “espírito natalino”. Aquela vontade de se fazer presente junto às pessoas que mais ama.
No entanto, ainda há uma incógnita nessa equação. E se o amor não existir no coração? E se a amargura da vida tomar conta e ofuscar esse belo sentimento? Bom, acredito que você, caro leitor, já saiba do que irei falar hoje. Mas para os desavisados, contarei rapidamente sobre uma história muito conhecida.
UM CONTO DE NATAL
A história segue Ebenezer Scrooge, um senhor avarento, ranzinza, que não suporta o Natal e nem faz questão de ser uma pessoa agradável com quem passa pelo seu caminho.
“Nenhum calor poderia aquecê-lo, assim como o mais rigoroso inverno não conseguiria transpassá-lo. Não havia rajada mais áspera que ele, tempestade de neve mais implacável, chuva fina mais torturante. O mau tempo não sabia por onde pegá-lo. Chuva e granizo, neve e frio levavam sobre ele apenas uma vantagem: todos se mostravam, uma vez ou outra, pródigos de seus benefícios; Scrooge, nunca!”
Na véspera de Natal, quando chega em sua casa, o fantasma de Marley, seu antigo sócio que morreu há alguns anos, aparece com correntes presas em sua cintura e um recado:
“Vim esta noite para avisar-te de que ainda te resta uma esperança, uma oportunidade de escapar a um destino semelhante ao meu. É uma esperança, uma oportunidade que eu venho trazer-te, Ebenezer.”
Enquanto vivo, ele tinha sido exatamente como Scrooge e sua punição estava sendo vagar por toda a eternidade carregando essas correntes, mas ainda havia esperança para Scrooge.
“Vais ser visitado por mais três espíritos. Aguarda a visita do primeiro espírito amanhã ao bater da uma hora. O segundo aparecerá na noite seguinte, à mesma hora, e o terceiro na outra noite, ao bater a última badalada da meia-noite.”
Após ter o escutado por um instante, o espectro passou pela janela e desapareceu na gélida escuridão. Scrooge, tomado de curiosidade, foi à janela e, então, presenciou um estranho espetáculo. O ar estava povoado de almas perdidas, que perambulavam e rodopiavam interminavelmente, soltando gemidos, e cada uma delas trazia uma corrente, como o espectro de Marley. Alguns destes fantasmas, talvez os membros de algum governo, estavam amarrados juntos. Nenhum estava livre.
Os três Fantasmas do Natal iriam visitá-lo e levá-lo para refletir sobre seus atos. O Fantasma do Natal Passado leva Scrooge para revisitar alguns momentos de seu passado e, com isso, pessoas que eram importantes para ele. Scrooge reviu-se sorridente celebrando alegremente o Natal em uma época onde a avareza e a ganância não importam para o personagem.
O Fantasma do Natal Presente leva Scrooge para a casa de seu único funcionário, Bob Cratchit, para que possa ver como ele e sua família estão vivendo. Ao espreitar pela janela, Scrooge reparou que apesar de pobre, a família estava toda reunida e muito feliz. Ao voltarem para o quarto do velho avarento, o espírito mostrou sob o seu manto duas crianças com ares terríveis e disse que os homens deviam ter cuidado com elas. Eram a Ignorância e a Miséria.
E o Fantasma do Natal Futuro levou Scrooge a um cemitério, onde apontou para uma lápide. Para seu horror, o velho viu o seu nome gravado na lápide. Tinha morrido solitário e ninguém tinha chorado a sua morte. Scrooge ficou totalmente transtornado e angustiado com aquela visão do seu futuro. Sempre silencioso, o espírito levou-o de volta para o quarto e desapareceu.
Na manhã seguinte, Scrooge foi à janela e viu muitas pessoas na rua, que se cumprimentavam e desejavam bom Natal umas às outras. Scrooge olhou para o calendário. Era Dia de Natal. Portanto, tudo que tinha visto tinha-se passado numa noite.
Rapidamente se vestiu, saiu de casa assobiando e foi a várias lojas. Saiu carregado de presentes e foi distribuindo esmolas por onde passava. Dirigiu-se a casa do seu sobrinho que o tinha convidado para passar o Natal com a família, mas Scrooge tinha recusado. A visita dos três espíritos de Natal tinham produzido enormes mudanças nele.
“Seu próprio coração estava alegre e feliz, e isso lhe bastava. Ele não teve mais relações com os espíritos, mas manteve a melhor das relações com os seus semelhantes, e diziam mesmo que não havia nenhuma pessoa que festejasse com mais entusiasmo as festas de Natal.”
CHARLES DICKENS
Charles John Huffam Dickens foi um escritor inglês, autor dos romances “David Copperfield”, “Oliver Twist”, “Christmas Carol” (que é o romance que acabei de resumir), entre outros. Foi o mais popular dos romancistas ingleses. Mestre do suspense, do humor satírico e do horror, retrata a Londres de sua época. Dickens foi reconhecido e recebido pela própria Rainha Vitória.
Um conto de Natal é um livro de 1843 e o primeiro de Charles Dickens sobre essa famosa comemoração, mas não foi o único. Além da história de Scrooge, Dickens engatou mais quatro romances: Os Sinos, O Grilo da Lareira, A Batalha da Vida e O Homem Mal Assombrado.
Uma curiosidade sobre o conto citado é que Dickens escreveu “Um conto de Natal” em menos de um mês. A história originalmente serviria apenas para pagar dívidas.
ADAPTAÇÕES
Importante citar que a história tem diversas adaptações e interpretações ao longo dos anos. Afinal, esse é um dos contos mais conhecidos quando se fala em Natal. Por isso, escolherei apenas alguns poucos exemplos para me debruçar, ok?
Em 1935, Henry Edwards assinou a direção de “Scrooge”, um filme de 78 minutos que adaptou a aclamada história de Charles Dickens pela segunda vez com som no cinema. A primeira adaptação cinematográfica estreou em 1928, mas a gravação foi perdida, portanto, não há registro de imagens. O filme lançou após a história cair em domínio público.
Assista ao filme completo no YouTube:
Um dos personagens mais conhecidos da Disney é o Tio Patinhas, que originalmente se chama Uncle Scrooge, ou seja, Tio Scrooge. Lançada em 1983, “O conto de Natal do Mickey” traz o tio patinhas como o avarento e ganancioso personagem que odeia o Natal. Nesta interpretação, ainda é possível ver outras figuras carimbadas da Disney como os fantasmas do Natal, o espírito de Marley e outros.
Em “Os Fantasmas Contra Atacam”, de 1988, a adaptação resolve concentrar o cerne da história em personagens diferentes. Bill Murray dá vida a Frank Cross, um diretor de rede de televisão frio, egoísta e oportunista, que, na véspera de Natal, recebe a visita de um falecido amigo informando-o de que três fantasmas virão ao seu encontro trazendo lições que devem ajudá-lo a se tornar uma pessoa melhor.
Uma história com tantas adaptações também merecia ganhar uma versão da Barbie, não é mesmo? Pois então, “Barbie em A canção de Natal” é uma releitura que muda o gênero das personagens para contar uma história digna de Barbie.
Eden Starling é uma glamourosa cantora de um teatro londrino. Acompanhada de seu gato Chuzzlewit, ela planeja fazer com que todos os artistas do local trabalhem durante o tão esperado dia de Natal. Observando tal atitude, Catherine, amiga de infância da mulher, conversa sobre o seu mal-humor. Até que, em um momento mágico, três espíritos do Natal levam Eden a uma viagem de reflexões sobre o verdadeiro espírito do Natal.
Por último, mas não menos importante, a adaptação mais popular talvez seja “Os Fantasmas de Scrooge”, dirigido por Robert Zemeckis e com as vozes de Jim Carrey, Gary Oldman, Colin Firth e Robin Wright.
A história do filme de 2009 não é nada mais do que a própria história original. Mas, além de ser a mais conhecida, outro motivo a coloca por último neste texto. “Os Fantasmas de Scrooge” foi o segundo filme que lembro de ter visto em uma sala de cinema e o primeiro que consegui ficar parado na cadeira do início ao fim.
Me lembro de estar tão envolvido assistindo e de tomar o meu primeiro susto quando o Fantasma do Natal Futuro saiu de dentro de uma parede com a sua carruagem imponente. Além da experiência cinematográfica, o mais importante foi estar ao lado de minha tia e de minha mãe. Estar acompanhado delas pareceu banal na época, mas hoje, no presente, consigo olhar para o passado e sorrir ao pensar nesses momentos que aproveitei com as pessoas que amo.
Agora também no presente, enquanto escrevo, olho para minha direita e vejo as duas novamente ao meu lado. Sorrindo e aproveitando a ocasião de uma reunião familiar. Afinal, o Natal serve para isso, não é? Independente de crença, estar com a família e aproveitar os momentos juntos é essencial.
E o futuro? Bom, eu não faço ideia do que vai acontecer amanhã, mas tenho certeza que irei continuar com o pensamento de me fazer presente. Aconselho que faça o mesmo. Afinal, nunca se sabe quem irá bater na sua porta para lhe ensinar uma lição.
Feliz Natal!
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