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CRÍTICA | ‘Quando Eu Me Encontrar’ é sobre o luto vivo

Atualizado: 26 de set. de 2024

Você muito provavelmente já ouviu falar sobre as fases do luto: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e, por fim, a aceitação. Muitas pessoas sentem a morte de uma forma diferente, e, nem sempre, todos esses estágios respeitam uma linearidade que leva ao fim do processo (se o processo sequer termina). Apesar de não ser a morte de Dayane que faz decorrer os impactos no seu namorado, mãe e irmã, as perspectivas de sua ausência repentina são o ponto central de ‘Quando eu me Encontrar”. 


O drama é dirigido e roteirizado por Amanda Pontes e Michelline Helena e narra a sensibilidade e os desafios que a partida inesperada de Dayane impõe aos protagonistas Mariana (Pipa), irmã de Dayane; Marluce (Luciana Souza), mãe, e o namorado/noivo Antônio (Davi Santos). 


O filme começa com duas vozes femininas cantando o samba “Preciso me Encontrar”, clássico na voz do grande Cartola. A canção serve como porta de entrada para questões que o longa não busca responder, mas exemplificar, na medida em que conhecemos mais sobre os personagens e suas visões sobre Dayane, uma jovem que ansiava pela liberdade, aventura e pela vontade de viver – então deixou-se ir.


E quando ela se vai, é de repente. O longa não abre espaço para conhecermos quem é Dayane e onde ela foi ou se ela voltaria, já que ela não aparece, nem fala por si própria, embora apenas a sua voz seja ouvida cantando a música que abre o filme, e em momentos de memórias pontuais dos personagens. Nem mesmo sua carta de despedida é lida em voz alta para o espectador –, representando ainda mais a passividade de uma ausência cuja história só pode ser contada por terceiros. Mas é dessa forma que Dayane, mesmo sem um rosto, é presente em quase todos os momentos de “Quando Eu Me Encontrar”.


A estrutura do filme faz com que fiquemos com curiosidade de saber para conhecê-la, de fato. Se voltará para casa, ou se aparecerá em algum flashback de maneira mais nítida – mas Amanda Pontes e Michelline Helena conduzem uma narrativa em que isso não acontece, consolidando uma atmosfera sensível que carrega consigo o luto de quem não voltaria mais, sem razões expressas ou motivos sólidos, apenas a ida de alguém que desejava ir e a sensação de abandono que acompanha os principais protagonistas. Por meio de uma fotografia majoritariamente sombria, apesar de não ser totalmente fria, e composta por enquadramentos solitários, é reforçada a sensação de isolamento nos personagens. É perceptível, durante todo o longa, uma relação triádica que destoa as reações da família e noivo de Dayane – seja ativa, passiva e interativamente. 


É possível dizer que Antônio, o noivo de Dayane, vive todas as etapas do luto de forma intensa: há negação quando não acredita que a noiva se foi, e vem a raiva quase imediatamente, quando atravessado pelos sentimentos, surta ao perceber a realidade; Ao decorrer do filme, Antônio barganha com Cecília (Di Ferreira), melhor amiga de Dayane e cantora do bar que frequenta, tendo certeza que ela sabe onde sua noiva se encontra, seguindo a cantora e pedindo insistentemente por respostas. 


Quando Eu Me Encontrar
Divulgação

Seu mundo desaba: Antônio se deprime, é recomendado a afastar-se do emprego, e tenta se consolar na bebida, se sentindo ainda mais rejeitado. Por fim, sua aceitação vem ao acompanhar Cecília após uma noite no bar, o que gera uma situação em que Cecília, bêbada, acaba vomitando em cima do colchão novo que Antônio havia comprado para a vida nova que planejava ao lado de Dayane, simbolicamente, dando fim ao arco do noivo.


Mariana, contudo, sente a ausência da irmã de maneira menos ativa que Antônio, embora também esteja presente. É Mariana quem descobre a fuga de Dayane e encontra a sua carta de despedida no quarto, revelando a notícia à mãe. Apesar de querer saber onde se encontra a irmã, também indo atrás das informações de Cecília em um primeiro estágio, sua aceitação é um tanto mais sutil por entender o espírito livre da irmã, sendo mais representada através da solidão em que Mariana passa a enfrentar os próprios dilemas. 


Quando Eu Me Encontrar
Divulgação

Os dilemas de Mariana, inclusive, chegam a distanciar um pouco da trama principal, trazendo certa leveza com diálogos atuais e problemas em que qualquer adolescente pode se identificar: a adaptação em uma escola nova e convívios sociais, o início da vida sexual, conflitos e discussões maternais, descobertas. Ainda assim, todas essas questões são sentidas pela irmã com aquela sensação de “apesar de” – sempre de cabeça erguida, apropriando-se do luto sem alterar seu cotidiano, mas ainda sentindo a falta de uma figura fraterna que poderia vigiá-la.


Já Marluce, a mãe, tem uma reação mais contida do que se espera de uma figura materna. Dos dois, é a que mais é tomada por uma aceitação imediata e conformismo, como se esperasse a partida da filha mais velha. Tem a força para seguir sua vida normalmente, e, assim como Mariana, é um exemplo ótimo de como as pessoas seguem a vida, mesmo com o luto. Abre a barraca de comida que administra, e dá à Mariana o desenho perfeito da garra de uma verdadeira mãe nordestina à Mariana. Nos primeiros momentos, nega as oportunidades de relaxar um pouco no forró, sendo amarrada pela melancolia de sua rotina e pela ausência da filha, que é relembrada por meio de canções que Marluce balbucia enquanto está sozinha, em memórias frias.


Quando Eu Me Encontrar
Divulgação

Marluce utiliza da situação para enfrentar as próprias inseguranças e seu passado, também indo atrás de respostas com a sua própria mãe. O arco de Marluce provoca reflexões sobre responsabilidade emocional e culpa, pois, assim como o de Antônio, também possui seu próprio egoísmo na abordagem da ausência e do luto: enquanto Antônio é tomado pela necessidade frequente de compreender porquê Dayane fugiu, Marluce tenta desvendar se falhou em seu papel como mãe.


Vale ressaltar, também, o desempenho da música na construção da história e na criação da atmosfera melancólica que envolve os personagens. Mariana sente a música passivamente, como uma válvula de escape, e por vezes recorrendo aos fones de ouvido para desconectar-se da realidade; Marluce, por sua vez, tem um papel interativo com as canções: ela canta quando está só, lembrando com carinho da voz da filha e sentindo o pesar de suas lembranças. Já Antônio sente a música de forma direta enquanto afoga as mágoas no bar, especialmente quando Cecília lhe dedica “Trocando em Miúdos”, de Chico Buarque, dilacerando o peito do noivo a cada verso. 


O drama, portanto, aborda o luto de maneira não convencional, sem respostas definitivas, convidando o espectador a sentir a ausência de Dayane de forma sensitiva, enquanto explora as complexidades emocionais de quem ficou para trás. Apesar disso, o filme poderia se beneficiar de uma estrutura um pouco mais enxuta; Embora os dilemas de Mariana enriqueçam a trama com um pouco de leveza e identificação, acabam por relevar um tanto do impacto emocional da fuga da irmã. Embora os diálogos entre Marluce e a mãe sirvam para trazer contexto maior à perspectiva de Marluce, soam quase forçados e não são aprofundados como (nem quanto) deveriam, em relação com o arco do noivo Antônio, que chega, por vezes, ser um tanto cansativo a quem assiste.


Ainda assim, e não menos importante, é incrível, através de detalhes minuciosos, reconhecer e sentir a brasilidade, e a nordestinidade que ‘Quando Eu Me Encontrar’ ilustra. Os personagens, além de irem conquistando o público pouco a pouco, vão interagindo com a cidade e com as pessoas. Há o litoral, uma praça, um brega, um centro comercial, adolescentes ensaiando passos para o Tik Tok, vizinhas enxeridas e pessoas frequentando as quentinhas da dona Marluce. Em dado momento, quem é nordestino se vê dentro daquele espaço como se fosse do próprio cotidiano – e, por osmose, também acaba sentindo um pouco da saudade que Dayane deixa. 


Nota: 3/5




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