CRÍTICA | ‘Meu Amigo Robô’ retrata as fases de um relacionamento
- Alan Pinheiro
- 7 de mar. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

"Você quer um coração? Você não sabe o quão sortudo és por não ter um. Corações nunca serão práticos enquanto não forem feitos para não se partirem" - O Mágico de Oz
Cruel. Pessimista. No entanto, verdadeiro.
Há uma comum associação entre a figura do coração com os sentimentos. Para o senso comum, além de bombear o sangue do corpo, o órgão também é responsável pelo sentir, principalmente quando se fala sobre amor. Ele, que dá sentido a uma existência na mesma medida que tira a vontade de viver, ou de perseguir um sonho. Ele, que na animação “Meu Amigo Robô”, surge na forma de amizade e persiste mesmo na ausência.
O homem é um ser político, precisa viver em sociedade, já que é intrínseco da sua natureza se relacionar com outras pessoas. Mas e entre os animais? A lógica dentro do indicado ao Oscar para Melhor Animação segue a métrica dos seres humanos, onde relacionamento é o ponto de partida para uma história sobre ciclos.
Solidão

Baseado na história em quadrinhos de mesmo nome, escrita por Sara Varon, a animação dirigida por Pablo Berger inicia a sua trama em uma Nova Iorque na década de 1980, onde toda a população é constituída por animais. Toda a arquitetura da sociedade humana é espelhada diretamente nos bichos, apesar da falta de individualidade em cada ser, já que não existem nomes próprios. Cada um é o que é. Uma pata é a Pata. Um elefante é o Elefante. Um leão é o Leão.
É em meio a este universo que o Cachorro é apresentado. Um animal que vive sozinho em seu apartamento. No entanto, a problemática surge quando o prazer se torna difícil de se acessar. Jogar videogame já não é mais como antigamente, assistir ao filme preferido não causa o mesmo impacto e, no fundo, o cansaço causado pela solidão consome cada vez mais o protagonista. Principalmente, quando ao buscar o horizonte da vida na cidade, vê pela janela um casal em um momento de intimidade.
A falta de alguém já pesava, mas a cena vista pelo Cachorro era a fagulha que faltava para que a decisão de sair da inércia fosse tomada. Dito isto, surge o Robô, comprado pelo cão para lhe fazer companhia. Apesar de ser feito de lata, o novo amigo não tem uma programação definida, tampouco conhece o mundo ao seu redor. Cabe então ao Cachorro o dever de mostrar o mundo ao seu companheiro, que vai aprendendo com o tempo e se espelhando na única figura que confia.
A partir deste momento, uma trama sobre amizade se desenrola entre os cenários de Manhattan. Toda a relação entre os dois personagens é construída sem a necessidade de um diálogo sequer entre os dois. Aliás, nenhum dos seres do filme consegue falar, apenas produzir o som do próprio animal. Assim, a música ganha destaque na construção da história. É o principal recurso usado para conectar o que está em tela com quem está fora dela. No caso, você.
“Depois do silêncio, o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música”
Saudade

Em 1978, a banda ‘Earth, Wind & Fire’ lançou a canção September, que rapidamente se tornou um sucesso e é imediatamente lembrada quando a discussão envolve o gênero Disco. Na letra da música, é contado sobre uma lembrança de um tempo passado, onde residiam boas memórias.
Você se lembra da noite de 21 de setembro?
O amor estava mudando a cabeça dos pretendentes
Enquanto perseguia as nuvens por aí
Nossos corações estavam tocando no tom em que nossas almas cantavam
Enquanto dançávamos à noite
Lembre-se de como as estrelas a roubaram
A música adquire significado relevante dentro da relação entre Cachorro e Robô, onde ambos amadurecem a amizade em meio a melodia que mistura funk, soul, R&B e jazz. Para o segundo, além de uma simples canção, o som é sinônimo do conforto trazido pelo relacionamento saudável entre os dois.
No entanto, o longa não se resume a exibir apenas o esmero da vida. Uma cisão entre os dois personagens acontece, o que permite que o roteiro toque em temas como a durabilidade de vínculos, as expectativas criadas sobre outrem e a insegurança. A partir dos sonhos, os medos e os receios são explorados de modo lúdico, construindo a personalidade de cada um pelas projeções criadas na cabeça de ambos. Para o Robô, de maneira similar ao homem de lata em O Mágico de Oz, o coração importa tanto quanto o próprio viver.
Como um espelho da própria relação, ambos se veem tendo contato com outros e buscando nesses novos rostos um resquício do passado. A distância entre os dois, tanto física quanto emocional, aumenta a cada novo desencontro, o que desenvolve a trama diretamente para um drama.
Felicidade

"Você quer um coração? Você não sabe o quão sortudo és por não ter um. Corações nunca serão práticos enquanto não forem feitos para não se partirem" - O Mágico de Oz
Cruel. Pessimista. Errado.
Sem a capacidade de sentir, o sabor da vida se perde em meio a estéreis relações. Não ter um coração, figurativamente falando, não pode ser associado à sorte apenas pelo medo de se magoar. São com as decepções e os fins que é possível dar o real valor para as coisas. Um término, uma morte de um ente querido e o fim de uma amizade doem, mas na mesma medida, ensinam.
A mentalidade, contrária ao pensamento do mágico de Oz, é transmitida pelo Robô com tamanha maturidade que emociona. Um ciclo se fechou, o que já foi bom acabou, mas é das cinzas dessa relação que outra oportunidade floresce. O Robô já não é mais o mesmo. Ele aprendeu, viveu, sentiu-se apavorado e entendeu que amar também se trata de deixar ir.
São com todas essas questões que “Meu Amigo Robô” se preocupa dentro da mesma narrativa. Histórias com início, meio e fim que se entrelaçam, desenvolvem os personagens e servem de espelho para refletir sobre relacionamentos. A sensibilidade ímpar é unida a uma simplicidade que cativa, conforta, fere e recompensa.
Nota: 4/5 🐶🤖
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