CRÍTICA I Um Lugar Silencioso: Dia Um mostra uma origem inexistente
- Marina Branco
- 8 de set. de 2024
- 6 min de leitura

Em 2018, foi lançado um filme sobre um ataque alienígena onde os monstros eram cegos, e se guiavam pelo som. Por isso, a família protagonista, os Abbott, aprenderam a viver em silêncio, em uma claustrofobia sonora angustiante. Na produção, até mesmo a linguagem de sinais é utilizada como alternativa, conhecida por toda a família por conta da mudez de uma das filhas. Essa é a história de “Um Lugar Silencioso”, longa protagonizado e dirigido por John Krasinski que, de tanto sucesso, ganhou uma sequência dois anos depois.
Mas mesmo excelente, interessante e cativante, sempre faltou uma parte crucial da história - o motivo. Nunca era dito quem são os alienígenas, a que vieram, e por que atacam a cidade, como sempre, de Nova York. Em 2024, chegou às telonas o que prometia ser a ‘prequel’ da saga, contando as origens da invasão e como tudo começou. É com essa expectativa que foi lançado “Um Lugar Silencioso: Dia Um”, dirigido por Michael Sarnoski, uma produção de atuações absolutamente impecáveis e, mais uma vez, roteiros absurdamente rasos.
A vida
No início de tudo, acompanhamos a história de Samira, uma mulher em estado de câncer terminal que, em um passeio à cidade grande, presencia o primeiro dos milhares ataques alienígenas. Interpretada brilhantemente por Lupita Nyong’o, a mulher já desistiu, de certa forma, de viver, e tem apenas mais uma coisa a cumprir na terra - comer um pedaço de pizza, como fazia com seu pai antigamente em Nova York.
Quando os ataques começam, Samira entra na rotina de silêncio que, ao contrário dos outros filmes, não significa necessariamente abstinência de som. Aqui, os personagens usam palavras, conversando, por vezes, até de maneira irreal, em tons muito altos para passarem despercebidos como passam pelos monstros.

Em meio ao caos e às mortes - inclusive de um dos que pareciam ser protagonistas no início do longa, surpreendendo positivamente quem assiste em uma quebra inesperada de roteiro -, Sam vai em busca de seu pedaço de pizza, como se ele fosse a única coisa que importava no mundo. Isso, além de seu gato, é claro, que segue com ela pela aventura e, por vezes, irrita em sua praticamente imortalidade, ao passar por lugares extremamente perigosos e sobreviver com facilidade sempre em meio ao apocalipse.
Mas, se a personagem de Lupita desistiu de viver, “Um Lugar Silencioso: Dia Um” traz o contraponto a ela. É o personagem de Joseph Quinn, o estudante de direito Eric que se mudou para a cidade grande para tentar uma vida nova, cheio de sonhos e vontade de continuar vivo. Em um trabalho de atuação que faz jus à parceira, Quinn desenvolve o clássico cara fofo, pelo qual é impossível não ter compaixão.

Mais do que a história das invasões, o filme conta a história da dupla, e de como a relação carinhosa entre eles se constrói em meio ao caos. Ele, com medo de morrer e realizando os sonhos dela. Ela, com medo que ele morra, e muitas vezes vivendo por ele. O contraste entre a aceitação e a recusa da morte desenvolve personagens com profundidade e uma conexão excelente, que cativam em tela e embelezam a narrativa em cenas marcantes e emocionantes, como quando os dois brincam, silenciosamente, no bar que ela costumava frequentar com o pai.
A relação é bem construída até mesmo no momento de finalizar seu caminho, contando o que acontece com cada uma das partes em um momento cheio de sensibilidade e emoção - e, para variar, com as palavras que ficam mais ausentes ao longo do filme. Sem sombra de dúvidas, a escrita da dupla e do seu final foi bem pensada e executada, contando uma história bonita em início, meio e fim.
A morte
Além da relação dos dois, outro ponto forte do filme é a narrativa de vida e morte de sua protagonista. Em uma situação onde o câncer ameaça a todo tempo tirar a vida de Samira, o longa representa tudo de uma maneira diferente da habitual, onde a personagem se mostra muito mais forte do que frágil. Decidida, firme e resistente, é como se assistíssemos enquanto ela diz à morte que é ela quem dita seu fim - não a doença.
Talvez, seja essa a justificativa para a realidade muitas vezes difícil de compreender que leva uma mulher que aparentemente desistiu da vida, a lutar tanto para continuar vivendo. Com o tempo, percebemos que o que nos filmes da família Abbott significava salvar os filhos, se torna morrer com dignidade e, se possível, por escolha. Não é morrer a questão - é como a morte acontece.

Em um cenário onde se espera que a única e maior angústia sejam os ataques alienígenas, o longa traz um “inimigo interno”, que ataca do lado de dentro e traz uma tensão a mais para o filme. Seja pelos aliens, seja pelo câncer, a construção das cenas consegue cumprir o suspense angustiante a que se propõe, dando uma constante sensação de suspensão, como se precisássemos prender a respiração a todo tempo. Além de, é claro, estar em silêncio, como fica todo espectador de “Um Lugar Silencioso”.
Todo esse arco tem seu fechamento na que é, sem sombra de dúvidas, a melhor cena do filme inteiro, e coincidentemente, também sua última. Os últimos dois segundos de tela são o que fazem o filme inteiro valer a pena, com um final excelente, surpreendente e bonito para uma história conturbada. Se quem assiste passar o filme inteiro, de certa forma, sem envolvimento, é no final impecável que o gancho puxa os olhos de quem aprecia uma história bem construída.
Os assassinos (ou nem tanto)
O grande erro de “Um Lugar Silencioso: Dia Um” acontece quando, ao invés de investir na relação entre os protagonistas e a história da personagem de Nyong’o, o filme decide cumprir seu propósito - contar o início da história. É aqui que tudo desanda, em um roteiro extremamente raso que parece explicar a matemática sem usar nenhum número. Você não pode fazer barulho, porque os invasores são cegos e se guiam pelo som (o que, inclusive, é rapidamente descoberto). Mas por quê você está sendo atacado? Quem são eles? O que eles querem? Boa sorte para descobrir.
Os próprios monstros, por sua vez, são tão rasos quanto o resto de sua narrativa. Se não fosse o CGI, para Quinn, eles seriam quase familiares, já que são praticamente iguais aos Demogorgons de Stranger Things e outras milhares de criaturas idênticas a eles, espalhadas por diversos filmes. Em nada inovam, em nada são interessantes.

O filme que prometeu tratar de origens não origina absolutamente nada, sem justificativas plausíveis ou mesmo tentativas de explicar qualquer coisa. Sem conexão direta com os outros longas além da aparição rápida de uma personagem comum e desnecessária, que funciona mais como um easter egg, a produção é cheia de sustos previsíveis, tornando os aliens um pano de fundo mal feito.
Chega a ser absurdo pensar que, no filme com mais palavras e menos silencioso da saga (o que não significa que não é silencioso, muito pelo contrário), nada conseguiu ser explicado, criando uma narrativa genérica para os monstros que se sustenta no relacionamento de Eric e Samira para não ser absolutamente descartável e esquecível.
No que prometia ser uma produção de ação, o que se destaca é o drama, e se não isso, talvez a utilização bem feita de Nova York. Se a cidade é o cenário igualmente genérico de todo filme de ataque, esse soube a utilizar bem, passando pelas linhas de metrô, pela Catedral de São Patrício e muitos outros lugares que dão o verdadeiro clima de Nova York. Aqui, a escolha clássica de locação é até justificável, como o próprio filme faz em seu início, ao contar que NY chega a 90 decibéis em medidas de som em um dia normal. A ironia de fazer um filme silencioso na maior metrópole do mundo funciona, e transforma o genérico do cenário em algo interessante.
O escape
“Um Lugar Silencioso: Dia Um” seria um filme excelente se não fosse de origem, ou de monstros. A relação e a construção dos protagonistas é espetacular, e traz profundidades e contrastes que emocionam e fazem refletir sobre vida e morte. As atuações de Nyong’o e Quinn são excelentes, e fazem com que o roteiro raso e injustificado das invasões alienígenas não seja descartável. Não é mais um filme de ação - mas é, sim, um drama muito bem desenvolvido.
Nota: 3/5
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