CRÍTICA I Motel Destino é um desejo que não se concretiza
- Marina Branco
- 6 de nov. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 19 de nov. de 2024

Sexo, perigo, violência, vontade e prisão. O pano de fundo que promete Motel Destino é irretocável, e cheio de possibilidades que poderiam levar não só a um filme memorável, mas também a uma experiência sensorial única. Tudo para dar certo - e ainda assim, conseguiu falhar em praticamente todos os aspectos.
Motel Destino conta a história de Heraldo, interpretado por Iago Xavier, um jovem que pernoitou sozinho no motel enquanto se preparava para realizar um assalto. Ao sair para sua missão, descobriu que seu maior parceiro havia sido assassinado, e precisou voltar para se esconder no motel.
Nesse momento, Heraldo entra em uma prisão física e psicológica, desenvolvida ao longo do filme pelo contraste entre a impossibilidade de transgredir as paredes do motel, e a pressão sentimental crescente que o limita também por dentro. Lá, ele se insere no jogo de ‘amor’, tesão, mas, acima de tudo, poder desenhado entre Elias, o dono do estabelecimento interpretado por Fábio Assunção, e Dayana, a esposa de Elias que ganha vida no rosto e corpo de Nataly Rocha.
Com o passar das cenas e dos dias, o clima sensual que o local promete contagia os protagonistas, desenvolvendo uma relação proibida entre Dayana e Heraldo que não se pode chamar verdadeiramente de amor. Entre a vontade de desafiar o dono das vidas de todos eles em uma prisão quase escravocrata e a de viver algo além da monotonia do motel, o ambiente de desejo que foi prometido começa a tentar ser cumprido.
Mas aqui mora o grandíssimo e, talvez, maior erro do filme - para Motel Destino, a nudez é conteúdo mais do que suficiente. Basta colocar um corpo nu na tela, que o conteúdo estará ali, pronto para entreter o espectador e desenvolver conexões com os personagens. Esquecendo das conexões reais, que malmente aparecem em uma conversa onde Heraldo conta - de maneira bem desenvolvida, é justo pontuar - a Dayana sua interessante história de origem, o filme insiste em tirar as roupas dos personagens sem propósito algum, e acreditar que aquilo o torna bom.

Já é passado o tempo em que nudez era mistério, ou mesmo conteúdo. Hoje, a nudez é parte do cinema na medida em que traz personagens para uma realidade intimista, tirando suas máscaras e os conectando com o público. Mas para que isso dê certo, é necessário que exista um personagem a se conectar.
Mais do que isso, um personagem vivo, o que não é o caso de nenhum dos três protagonistas. Viajando entre três personagens extremamente desinteressantes, sendo um Heraldo razoavelmente interpretado em sua timidez o mais destacável do trio, o longa tenta criar uma história cativante, apoiada em um tripé que em nada envolve, e em nada cativa.
Vale ressaltar, inclusive, que a promessa de Fábio Assunção, ator exímio do cinema brasileiro, não foi cumprida. É melhor, quem sabe, esquecer que era realmente ele ali, e tirar de sua carreira uma interpretação bem feita, mas sem sentido ou lógica até mesmo nas ações do personagem.
Isso se desenha claramente, por exemplo, nos momentos em que, de raiva pela traição, ele parece flutuar até compreender a esposa e se sentir atraído pelo próprio Heraldo, em um erro grotesco que criou o ‘trisal’ no sentido literal da palavra. Quando se esperava um embate, se recebia os três protagonistas envolvidos na mesma cama, forçando beijos em um misto de ódio e vontade. A sensação é de que não havia mais ninguém naquele claustrofóbico mundo para satisfazer, então qualquer um servia, e para qualquer um também.

A angústia é tamanha que, em uma briga clara, é possível torcer simultaneamente para ambos os lados. Sonhar com a fuga de Heraldo e Dayana, para que o império de Elias desmorone, e sonhar com a descoberta de Elias, para que o romance irritante do novo casal termine.
Entre possibilidades de sonhos e torcidas, o longa conseguiu tomar uma das piores decisões que poderia ao final. Novamente apostando na nudez como norteadora do conteúdo, o desfecho do filme se segue em cenas completamente sem sentido, entre beijos em momentos em que se espera o ódio, e torturas desviadas pela ideia do corpo nu em cena. É buscar o ápice do roteiro, e não saber o que fazer com ele.

Se há algum trunfo no final, é possivelmente a saída do ambiente do motel, extremamente bem desenhada pela fotografia de Hélene Louvart. Com neons exuberantes na parte interna, e cores mais frias na externa, os planos fechados e prisionais do motel se contrastam com os amplos e livres do mundo lá fora, configurando uma técnica genial para um filme que não a merecia.
Até mesmo o aspecto de colagem da produção é bem desenvolvido, tornando um local desinteressante, em algo captável. Se o motel prometia ser sensual, acaba se tornando um lugar nojento e sujo, de onde se quer fugir, mas que pode atrair pela fotografia que o envolve.

Poderia estar ali um grande diferencial mal explorado do filme. O motel que abriga uma história desenvolvida em poucos cenários tinha tudo para ser quase que um quarto personagem, que contrasta amor e violência nos incessantes gemidos ao fundo das cenas, oscilando entre gritos de socorro e lembranças do amor e alegria que o trio não tem em suas vidas.
Ainda assim, é difícil cobrar do motel uma personalidade quando não há como contrastar com ambientes fora dele, sensação reforçada pela área completamente deserta onde fica. Aquilo que poderia ter uma história própria, na realidade, se torna uma colagem de histórias mal contadas, onde vemos inúmeros clientes entrarem e saírem do motel sem conhecermos nenhuma de suas vidas - nem mesmo a dos outros funcionários do motel, que por vezes têm suas existêncas quase que esquecidas.
Não conhecemos, inclusive, uma que aparenta movimentar o roteiro e levar o filme a algum lugar, com a morte do francês em um dos quartos do hotel. O que o levou até ali e os desdobramentos de sua partida absurda tinham potencial imenso, podendo trazer um thriller excelente para o longa. Mas, como toda boa decisão ao estilo Motel Destino, a escolha foi não desenvolver absolutamente nada, descartando a linha de raciocínio em soluções rápidas e sem profundidade.

O mesmo se estende para os animais que aparecem a todo tempo na tela, mas que podem ser justamente interpretados como uma metáfora sexual. Em cenas que animalizam os personagens por meio do sexo, da rebelia e da traição, sempre aparecem cabras, cobras ou quadros com animais, muito bem inseridos em uma contextualização nas entrelinhas que mostra que algo foi, sim, bem pensado no filme.
A verdade é que tudo poderia ter sido bem pensado. Desde o jogo de relações que oscila entre o casamento, os amantes e a ‘amizade’ dos dois homens, até a falta de flashbacks que contem a história do casal além do quadro do casamento presente no quarto, Motel Destino abriu portas para diversas narrativas interessantes, mas escolheu seguir preso, sem atravessar nenhuma delas.
Uma porta interessante que recebeu uma intenção maior de passagem foi o retrato do litoral cearense, em uma tentativa justa de retratar o interior do país. Ponto fortíssimo, vale ressaltar, para o uso da fotografia na pele de Heraldo para retratar, ao mesmo tempo, o sol e o trabalho da terra, e a sensualidade que tem potencial no personagem.

A ideia do Ceará só se perde no final do filme, que manda Heraldo para uma fábrica de gelo sem a menor lógica para ‘esquecer do calor cearense’. Mais uma solução fácil, rápida e sem sentido para problemas complexos, decepcionantemente alcançada após muita expectativa em um desenrolar lento da narrativa.
É como comentou o site americano The Wrap: “Mesmo quando finalmente termina, há pouca chance de você lembrar muito do que viu. Tornando-se a pior coisa que um filme como este poderia ser: esquecível”.
Ainda assim, algo de valorizável mora no Motel Destino, integrante da seleção oficial do Festival de Cannes 2024. Não é uma seca de boas produções no cinema brasileiro, muito pelo contrário. É uma escolha, questionável e confusa, de uma história perdida para receber um reconhecimento merecido por tantas.
Nota: 1,5/5
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