CRÍTICA I Megalópolis é a utopia nostálgica de Coppola
- Vitor Rocha
- 8 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de nov. de 2024

Quatro décadas após sua idealização, Megalópolis (2024), dirigido por Francis Ford Coppola (O Poderoso Chefão, Apocalypse Now), finalmente chegou aos cinemas. Divisivo, o longa-metragem traz uma visão maneirista de Coppola, que rememora, de forma delirante, um período farsesco do cinema americano. No centro desse enredo ambicioso, Coppola se retrata através do protagonista Cesar Catilina (Adam Driver), um arquiteto determinado a erguer uma utopia em uma cidade prestes a colapsar.
A ambientação do filme, situada na fictícia Nova Roma, já antecipa o tom da narrativa. Fundindo elementos modernos com clássicos, a cidade mistura aspectos de Nova York e da Roma Antiga. A arquitetura clássica, envolta em decadência e desigualdade social, cria um cenário distópico em que o futuro e o passado se cruzam de forma caótica. A partir de visuais vibrantes e atuações teatrais, Coppola se utiliza do maneirismo que dominou o cinema americano dos anos 70 e 80, período em que o cineasta construiu sua reputação como um dos grandes diretores do cinema. Em certo nível, parece que ele admite que seu tempo passou, e observa o cinema contemporâneo com uma crítica implícita: uma indústria que, para ele, perdeu profundidade, tornando-se estéril. A fotografia dourada, remetendo a uma utopia cinematográfica, é contrastada com uma cidade à beira do colapso. Nesse espaço, Coppola radicaliza o maneirismo visual e temático, arriscando-se a ponto de não se preocupar em ser sutil ou equilibrado.
O filme é repleto de comentários sociais, políticos, filosóficos e históricos, que não se preocupam em seguir uma resolução clara. Em vez disso, Coppola cria camadas de significados para provocar reflexões sobre temas como poder, utopia e legado. Mais do que as respostas, Megalópolis está preocupado com as perguntas. O fio condutor que costura essas ideias é a abordagem temporal. Assim como Catilina usa o amor como ponte para manipular o tempo do filme, Coppola propõe, em seu “blockbuster independente”, já que foi financiado do seu próprio bolso, uma discussão sobre a relação entre passado, presente e futuro no imaginário humano. Catilina vive em um retorno constante ao passado, alimentando-se das memórias para moldar a metrópole futurista que imagina.

COM SPOILER
Catilina é um arquiteto brilhante, mas também assombrado por traumas. Ao longo do filme, a morte de sua esposa é frequentemente lembrada, junto com as suspeitas que recaem sobre ele em relação a sua perda. É pela esposa, afinal, que ele consegue o "megalon", minério essencial para concretizar sua visão de Megalópolis. A motivação fundamental para tudo o que Coppola constrói no filme é o amor e o trauma, sentimentos que, embora sejam tratados de forma ingênua, algo que o filme não se importa nem um pouco em ser, diga-se de passagem, são tratados com sinceridade. A perda de sua ex-companheira, Sunny (Haley Sims), e seu amor por Julia (Nathalie Emmanuel) são forças centrais que movem o arquiteto. Diante desse contexto, a sequência mais emblemática dessa construção temática ocorre quando Catilina é baleado por uma criança e, para sobreviver, precisa recorrer ao "megalon" e a partes de sua falecida ex-esposa. É o passado reconstruindo o presente para concretizar o futuro.
Apesar de estar remetendo a outras épocas o tempo todo, Megalópolis se apresenta também como uma crítica atual à sociedade do espetáculo e à ascensão da extrema-direita. As figuras de poder em Nova Roma são espelhos de um cenário político contemporâneo, onde a distopia parece cada vez mais plausível. A cidade governada por um oligopólio de figuras ambiciosas e céticas é um espelho para esta sociedade americana que, nas mãos de ideologias reacionárias, se deteriora rapidamente. Curioso como poucas semanas após o lançamento Donald Trump retornou a Casa Branca. Em meio aos delírios visuais e narrativos, Coppola não esconde seu repúdio ao extremismo que permeia as instituições e mostra como estas figuras aparecem de forma cíclica na sociedade capitalista.
Megalópolis é um exercício de liberdade criativa única, sem filtros, que desafia convenções e rejeita qualquer preocupação com a aceitação popular. Coppola, em seu retorno grandioso, faz um cinema que, paradoxalmente, parece tanto utópico quanto nostálgico, dialogando com o legado de uma era dourada do cinema e seu papel na cultura. É um filme que assume riscos, reconhecendo a importância do passado, mas determinado a vislumbrar um futuro, ainda que incerto.
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