Crítica I MAXXXINE é o dominado se tornando dominador
- Alan Pinheiro
- 11 de jul. de 2024
- 4 min de leitura

Quando saí da sala de cinema para assistir à MaXXXine (2024), novo filme do diretor Ti West, um misto de sentimentos tomou conta da minha cabeça. Inicialmente confuso sobre ter gostado ou não, até disse a um amigo que o longa precisava de alguns “poréns” para ficar mais palatável. Agora, uma semana de longos debates comigo me fazem refletir sobre o filme, a trilogia e o discurso adotado pela narrativa, o que me parece mais agradável do que discutir sobre detalhes técnicos que ninguém tá nem aí.
Na década de 1980, em Hollywood, a estrela do cinema pornográfico Maxine Minx (Mia Goth) tem sua grande chance de atingir o estrelato ao ser aceita para um papel em um filme de terror. No entanto, o misterioso serial killer Night Stalker persegue as celebridades de Los Angeles e um rastro de sangue ameaça revelar o passado sinistro de Maxine.
O primeiro ponto a ser destacado é a estética assumida para retratar o período citado. A ambientação na famosa cidade que “respira cinema” é um dos pontos altos da experiência, mas as referências visuais perdem importância quando se trata da narrativa da personagem principal. Toda a trama envolvendo os assassinatos perdem força quando se considera o impacto da violência na cidade. Com exceção de diálogos expositivos em planos isolados e espaçados ao longo das duas horas, não há uma preocupação em mostrar se existe uma preocupação com alguém a solta matando pessoas por aí.

Além do assassino, uma outra questão retratada na Hollywood do filme é o período de demonização das mídias por parte do público fundamentalmente religioso. Levando em conta toda a trilogia, o sexo, a nudez e o desejo são temas que se entrelaçam e fomentam um subtexto de poder. Sexo, afinal, também se trata de poder. Há uma cultura enraizada - e sistêmica - onde a sexualidade aflora nas relações interpessoais, criando cenários onde um precisa dominar e outro ser dominado. A partir disso, Ti West criou uma dicotomia entre uma Maxine que se liberta e uma Pearl que se prende pelo sexo. Essas duas personagens, brilhantemente interpretadas pela neta da atriz brasileira Maria Gladys, mostram diferentes facetas de que tudo gira em torno de sexo, principalmente a religião.
É a partir desse argumento - iniciado em X - que MaXXXine começa e expande. O sexo e a exploração da sexualidade são vistos como tabu em meio a uma sociedade que opta pela hipocrisia de consumir em silêncio, como se estivesse em uma sala escura observando através de uma pequena janela de vidro e sem poder ser visto. Vale destacar que o assassino da história, inicialmente, é retratado dessa maneira. Não há nenhum vislumbre de sua identidade, com exceção de detalhes de suas roupas de couro. Perceba, tudo é sexo. Quando o Night Stalker aparece, mata ou se revela, por mais implícito que seja, há uma forte relação com a expressão de uma sexualidade. Inclusive, por mais que pareça e tente se distanciar dos trogloditas do submundo da televisão, o personagem serve à trama como uma representação da transformação de Pearl.
Por isso, nos momentos que o fantasma da primeira antagonista volta a assombrar Maxine, a mensagem que está sendo transmitida é mais complexa do que, em um primeiro momento, parece ser. Ela é fruto de uma cultura de dominação, uma vítima de um culto socialmente aceito para controlar os instintos humanos. Em Laranja Mecânica (1971), o protagonista Alex DeLarge sofre uma lavagem cerebral para ter seus instintos violentos suprimidos dentro de seu corpo. O procedimento, apesar de ter um propósito “nobre”, tira dele a característica mais fundamental dentro de um ser humano: a liberdade. Na trilogia de Ti West, esse mesmo procedimento acontece através da religião. No caso, o extremismo religioso.

Toda a mensagem da trilogia culmina neste terceiro longa, onde a própria estética de filme B busca mostrar o ridículo desta questão. O que é propositalmente mal feito para simular um trash expõe a falsidade de uma ideologia dominadora que reprime ao invés de acolher. Obviamente há de se concordar que um filme pornô deve ser mantido longe de crianças e que um terror slasher com muito gore não é recomendável para todos os públicos, mas qual o motivo de se relacionar tais expressividades artísticas a um contexto profano? Como diz o padre em Laranja Mecânica, “a virtude vem de nós mesmos. É uma escolha que só a nós pertence. Quando um homem perde a capacidade de escolher, deixa de ser homem”.
Em meio a esta narrativa, não vejo as referências como um “amontoado que esvazia a narrativa”. Pelo contrário, acredito que estão inseridas para potencializar a mensagem do filme, que é totalmente metalinguístico. Por conta disso, a própria narrativa acaba ficando em segundo plano, o que - certamente - é um motivo de descontentamento para o público que vai ao filme esperando uma sequência apoteótica de X. Não é. Talvez seja burrice ou muita coragem, mas cada filme representa uma época diferente da história do cinema. Este não esconde em momento algum que é uma experiência totalmente diferente do restante. Inclusive, pode até ser considerado como algo a parte dos demais.
Entre as notas que mostram a divisão de críticos sobre MaXXXine, peço licença para subverter a expectativa e definir que o novo filme de terror não pode ser colocado dentro de uma caixinha. Ele tem problemas, claro. É muito difícil fazer mudanças tão abruptas e conseguir realizar com perfeição. Apesar da estética bem definida, dentro do próprio filme existem momentos onde a imersão da década de 80 é quebrada por planos “mais contemporâneos” que devem gerar reações mais animadoras.

Finalmente, a própria estrela Mia Goth não pode deixar de ser citada dentro do contexto que é a trilogia. Sem ela, toda a energia que tornou Maxine e Pearl em ícones nas redes sociais não existiria. Ela é a força motriz que impulsiona tudo e todos ao seu redor. Entendendo isso, fica evidente que a direção faz de tudo para a atriz brilhar e conseguir transparecer a importância dessa atuação para a sua carreira. Mia Goth já provou do que é capaz. Por momentos, a própria trilogia parece falar mais sobre ela do que sobre qualquer coisa. Em MaXXXine, apesar de não conseguir se destacar tanto quanto nas outras duas oportunidades, ela aproveita para dar um ponto final e afirmar em alto e bom som que ela é uma estrela (de cinema).
Nota: 3/5 ⭐️
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