CRÍTICA | Em Furiosa (2024) não existe propósito além da vingança
- Artur Soares
- 23 de mai. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2024

Capítulo 1: De volta a estrada de fúria
Para onde devemos ir… Nós que vagamos por esse deserto à procura do melhor em nós mesmos?
A resposta é: de volta para a estrada da fúria. Mad Max é uma das maiores franquias de ação e ficção de todos os tempos. George Miller conseguiu criar uma referência no que diz respeito a criação de universo, principalmente quando se trata de uma ambientação pós-apocalíptica. O sangue, a gasolina e a pólvora são os pilares que regem um futuro distópico onde motores V8 são cultuados como divindades.
Além de um universo rico, a franquia se destacou por sua estética diferente e memorável. Tudo em Mad Max transpira a loucura daquelas pessoas e isso acaba sendo refletido principalmente nos carros. Espinhos, lança-chamas e todo tipo de bugiganga é a marca registrada dos veículos dessa nova sociedade. Ironicamente, isso faz com que o deserto de Miller seja extremamente vivo.

No mundo em que a insanidade é inevitável e a água é um recurso escasso, as possibilidades de se contar uma boa história são quase ilimitadas. A maioria do público concorda que esse universo chegou ao seu ápice em Mad Max: Estrada da Fúria, longa que foi responsável por reviver a franquia. Com quase nenhum uso de CGI e perseguições eletrizantes, o longa se consagrou como um dos melhores filmes de ação da história.
Quase uma década depois de seu último lançamento, a aclamada saga ganha uma nova produção. Após conquistar o carinho do público na obra de 2015, a personagem Imperator Furiosa chega protagonizando seu próprio filme. Furiosa: Uma Saga Mad Max tem como objetivo ser uma prequel de Estrada da Fúria e conta como a imperatriz de poucas palavras ocupou seu cargo de respeito na Cidadela.
Capítulo 2: A vingança e o propósito
Desde o primeiro filme lançado em 1979, George Miller está à frente da franquia Mad Max. Não existe ninguém que sabe melhor desse o universo do que o diretor e ele continua sabendo como tocar a bola. As cenas de ação continuam sendo tão boas quanto o primeiro, mas agora com um pouco mais de CGI, o que incomoda um pouco quando você lembra do filme anterior e todo o carinho por trás de sua produção.

O enredo é dividido em cinco capítulos, o que traz um charme a mais para a trama. No longa de 2015, Furiosa chega a mencionar que ela está buscando redenção. Em sua prequel, nós acompanhamos uma jornada de vingança. Esse é um clichê que sempre funciona bem, mas aqui foi feito de uma maneira meio questionável. Por se dar o trabalho de acompanhar a vida inteira da personagem, essa trama não consegue ser tão bem desenvolvida.
Na verdade, a maioria das coisas no longa também sofrem com isso. Como Furiosa alcançou a alcunha de Imperator, sua convivência com as esposas de Immortan Joe e sua relação com o personagem novo — que surge na intenção de suprir a falta que a dinâmica com Max fez nesse filme — são apenas algumas das coisas que foram apresentadas, mas não desenvolvidas da forma que merecia.

Essa necessidade de tratar tudo com velocidade atrapalha o vínculo com a história. Por exemplo, a ideia de libertar as mulheres de Joe só surge no final do filme e nem existe um motivo para tal. Furiosa conviveu pouco com as moças, ocupava um cargo de importância na Cidadela e não tinha nenhum tipo de vínculo com nenhuma delas, não existiam motivos para ela resgatá-las. Sabemos que ela fez isso como uma forma de buscar um propósito, mas isso é só graças a um filme que se passa depois desse novo longa.
Da mesma forma, Immortan Joe parece ter alguns problemas de memória, porque ele esquece totalmente que havia prendido Furiosa para ser uma de suas esposas e resolve deixar ela ser uma guerreira da estrada de seu império. Porém, o ápice dessa “pressa” do roteiro foi a Guerra de 40 dias que, apesar de ter um nome imponente, foi resumida a meros “frames” do que aconteceu. Após realizar um final épico em Estrada da Fúria, Miller decepciona em não entregar uma cena digna para o momento.
Capítulo 3: A mini-imperatriz do deserto
A saída de Charlize Theron do papel de Furiosa deixou parte dos fãs preocupados. Depois de uma performance brilhante da atriz em Estrada da Fúria, o público se perguntou se Anya Taylor-Joy daria conta do recado. Apesar do receio sobre se ela seria tão boa no papel, todos tinham certeza sobre as capacidades da atriz. Um filme da Anya Taylor-Joy, era isso que foi vendido. Para a decepção de muitos — incluindo eu — ela só aparece depois da metade.

Com uma duração de quase 2h30, a produção se torna um arrastada e não usa o seu tempo da melhor forma possível. A primeira hora do filme se concentra em narrar os dias da infância da protagonista, sendo a principal decisão errada da produção. Não que eles devessem ignorar essa fase da personagem, porém, ela com certeza não deveria tomar muito tempo. Se o “flashback” explicasse apenas como a futura imperatriz foi tomada de sua vila, já estaria de bom tamanho.
A atriz mirim Alyla Browne consegue mandar bem no papel, então apesar de ser longo demais, esse período da trama não chega a ser ruim. Outro ponto positivo é que nele temos a introdução do antagonista Dementus. Chris Hemsworth deu a vida nesse papel e consegue entregar um sádico insano com carisma de sobra e ideais duvidosos, ou seja, o puro suquinho de alguém que vive na Wastelands.

Dementus é o grande responsável por ser o alívio cômico da obra. E antes que alguém ache isso algo negativo, vale lembrar que até o aclamado Estrada da Fúria tinha seus momentos engraçados. Apesar de ser divertido e roubar a cena quando aparece, o vilão consegue ser aterrorizante quando necessário. Essa foi a oportunidade perfeita para Chris, assim como Robert Downey Jr, começar a desvincular sua imagem ao seu papel no MCU.
Capítulo 4: Um mundo mais comum
A identidade visual de Mad Max sempre foi o que lhe diferenciou de outras obras que se passam em universos pós-apocalípticos. Além dos veículos e armas personalizadas, o próprio deserto em que a trama se passa ganhou uma personalidade a mais. Com um forte tom de laranja presente durante o dia e um azul quase místico durante a noite, o cenário se tornou facilmente reconhecível para quem assiste.
Em Furiosa, a Wasteland parece ter se tornado um deserto comum. O uso da paleta de cores que encantava no primeiro filme foi basicamente deixada de lado. Não só isso, como os eventos atípicos que rondavam aquele deserto nuclear também não são retratados. Diferente de Estrada da Fúria, em que o ambiente assume quase um tom místico, aqui não temos direito nem a uma boa tempestade de areia.

Toda a obra parece ter tentado assumir um tom mais “sóbrio” e “leve” da estética criada por George Miller, quase numa mescla entre o longa de 2015 com os filmes mais antigos da saga. Essa decisão também pode ser vista no design de produção. Os veículos, visuais e personagens parecem estar bem menos excêntricos do que da última vez. É como se o diretor estivesse querendo ressuscitar a mesma vibe da trilogia original…
E quando me refiro a “menos excêntrico”, também pode ser lido como menos grotesco. Um dos pontos altos do último filme é a maneira como todos realmente parecem ter sofrido com a radiação de alguma forma, apresentando deficiências físicas e mentais. Em Furiosa, a maioria dos personagens parece seres humanos comuns, raramente apresentando alguma deformidade em seu corpo — por sorte, as mentes continuam tão loucas quanto antes.

Essa versão mais “light” faz com que a obra não seja tão memorável quanto seu antecessor esteticamente falando, mas ela compensa com uma GIGANTE expansão do universo de Mad Max. Apenas com o que foi apresentado em Furiosa, Miller conseguiu conteúdo para no mínimo mais três filmes e mostra que sua criação é tão rica quanto o universo de Star Wars. Mostrar outras fortalezas do deserto foi uma ótima decisão e instiga o público a querer saber quais outros mistérios essas planícies áridas escondem.
Capítulo 5: O peso de um fardo
Como você pode ter percebido, desde sua concepção, Furiosa tem uma tarefa infeliz e muito difícil: ser uma “continuação” de Estrada da Fúria. Por conta disso, uma grande parte de quem for assistir ao longa vai se decepcionar, porque ele não pretende ser a mesma coisa que a obra que antecede. Porém, não seria justo julgá-lo com base em apenas comparações com outro filme específico.

George Miller poderia ter apenas “repetido” o que fez em Estrada da Fúria, mas assim como em 2015 ele mudou várias coisas em sua saga, aqui ele faz o mesmo. Numa tentativa provavelmente motivada pela nostalgia, o diretor tenta voltar aos velhos tempos e traz muitos elementos da trilogia clássica de volta — o que também explica o deserto mais “comum”. Dementus e seu grupo parecem ter saído diretamente de Mad Max 2, além de toda a história de vingança que lembra o primeiro Mad Max.
Furiosa: Uma Saga Mad Max não é nenhum Além da Cúpula do Trovão, mas também não consegue se equiparar a Estrada da Fúria. Até porque, esse não é um filme de Max Rockatansky, mas sobre a Imperator Furiosa. Em vez de apostar no fácil, George Miller faz novas mudanças em seu universo, o que torna o novo filme bem diferente do que se esperava. Unindo o novo e o antigo numa fusão inédita, o longa mostra que esse deserto ainda guarda muitas histórias para contar.
Nota: 4/5
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