CRÍTICA | Conclave vai incomodar muita gente
- Roger Caroso
- 23 de jan.
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de jan.

O novo filme do diretor Edward Berger é um vislumbre por dentro das paredes do Vaticano, a partir de conflitos de interesse e por uma cobiça pelo poder. Em meio disso, discussões que envolvem todo o cerne da igreja, além das calorosas disputas políticas da atualidade.
Nessa história ficcional, baseada no livro homônimo de Robert Harris, o Papa morre de ataque do coração e o decano Thomas Lawrence (Ralph Fiennes) fica encarregado de organizar o conclave, a votação responsável pela escolha do próximo Santo Padre.
Verdadeiramente temos aqui uma condução tal qual uma orquestra, em que somos levados pelos olhos Lawrence para acompanhar o desenrolar e desvendar todos os segredos que essas batinas escondem.

Para garantir a lisura do processo, Lawrence e os demais cardeais de todo o mundo se enclausuram dentro do Vaticano sem contato com o mundo externo. Essa decisão serve para impedi-los de serem influenciados por qualquer situação além daquelas paredes sagradas.
Dentro desse espaço, o ambiente para discussões é amplificado, centrado em determinados cardeais, que representam um grupo ideológico. Sejam, os liberais, os conservadores ou até os supostamente moderados, a igreja apresenta uma série de distinções entre si que compõem uma trama política de um grande jogo de interesses.
Sim, como já está sendo comentado por muitos, as disputas de Conclave tem o seu que de Succession ou até Game of Thrones. Fé, razão e moralidade, são que permeiam a trama do filme, pondo em jogo os conceitos clássicos da igreja, a deliberação do que é ou não aceitável e até onde vai a gana pelo poder.

Ralph Fiennes conduz a rodagem como um observador que tem de balancear sua imparcialidade com uma opinião própria. Por mais que Lawrence tenha sido incumbido para uma missão desse tamanho, ele é um homem internamente quebrado e que toda sua fé é posta em prova. Méritos totais ao ator britânico, que consegue apresentar todos esses conflitos de uma forma que é sentida no espectador, um dos grandes trabalhos do ano.
Mas claro, Conclave não é apenas Lawrence, uma série de coadjuvantes compõem um verdadeiro ensemble para a obra. Stanley Tucci é o italiano Aldo Bellini, o representante da ala liberal e que visto como uma esperança dentro de igreja. John Lithgow interpreta Joseph Trembley, um britânico cujo os comportamentos são intrigantes e as motivações desconhecidas.
Por mais que dentre os coadjuvantes masculinos Tucci e Lithgow sejam mais conhecidos, Sergio Castellitto como Goffredo Tedesco e Lucian Msamati como Joshua Adeyemi são tão bons quanto ou ainda melhores. O primeiro é tratado como o grande bicho papão, o homem que busca retomar os clássicos costumes da igreja e acabar com todo o processo de inclusão trabalhado pela igreja em anos recentes. Já o segundo é uma força inesperada e que pode se tornar o primeiro Papa do continente africano.
A Isabella Rosselini no papel irmã Agnes pode ser a que menos tem tempo de dela entre esses, mas ela definitivamente deixa uma marca na produção. Seus momentos certeiros, a frase certa na hora certa, num contexto ainda melhor. Uma participação pontual, mas que mostra o poder de atuação nesse nível de efetividade.
Contudo, entre todos esses atores consagrados aparece uma novidade. Carlos Diehz interpreta Vincent Benitez, um padre que estava em missão no Afeganistão e que até agora ninguém tinha conhecimento de sua nomeação como cardeal. Esse elemento chega a trama como um ponto de ruptura meio a todo caos e guerra pelo papado.

Conclave também é um grande acerto técnico, em alguns horas conheceremos os indicados ao Oscar e o filme deve ser figura carimbada em diversas categorias. A fotografia de Stéphane Fontaine junto ao incrível design de produção proporcionam imagens impactantes e que conversam diretamente com as pinturas da Capela Sistina. A trilha sonora de Volker Bertelmann é voraz, uma orquestra ao som principalmente das cordas que dão a tensão e urgência da situação.
No geral, o filme põe para discussão todo o conceito e moral da igreja católica, que está quebrada internamente e tem sérios medos de possíveis novos escândalos. Esse conflito é interessante demais para ficar resumindo apenas a determinadas passagens, visto que as grandes cenas os envolvem diretamente. Outro ponto é talvez perda de certas construções ritualisticas que são postas como tão fundamentais ao início da história.
O longa de Edward Berger apresenta um final corajoso e vai dar o que falar, é difícil não se impactar com o resultado da votação. Todavia, talvez esse processo pudesse ter sido feito de uma maneira ainda mais aprofundada, mesmo ele ainda sendo bem efetivo.
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