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CRÍTICA | “Back to Black” é mais problemático que a vida de Amy Winehouse

Atualizado: 8 de jun. de 2024


Back to Black

Quem nunca conheceu uma mulher que lembrava Amy Winehouse? Apesar da estética de alguém rebelde, por dentro se esconde uma mulher vulnerável e cheia de sonhos, tudo isso envolto numa beleza surreal. A cantora britânica foi o tipo de cometa que só passa pela Terra a cada 100 anos. Assim como Halley, sua passagem foi curta, mas aqueles que conseguiram presenciar seu brilho jamais poderão esquecer.


Seu modo único de se vestir e agir inspirou futuras gerações de garotas que até hoje olham para sua imagem tentando ter pelo menos metade de sua elegância. Apesar do visual memorável, sua aparência não chegava aos pés da beleza de sua voz. Com um timbre inesquecível, a artista conseguiu conquistar uma geração inteira e rapidamente alcançou a fama global. Apesar disso, sua curta trajetória de vida chegou ao fim em 2011, quando faleceu vítima do alcoolismo.


Além de seu enorme talento, Amy também era conhecida por conta das polêmicas que cercavam sua vida. Problemas com drogas, alcoolismo, o assédio de paparazzi e o conturbado relacionamento com Blake Fielder-Civil são apenas alguns dos tópicos que levaram à decadência da artista. Porém, durante seu momento mais sombrio, a cantora transformou todo o seu sofrimento em arte e assim produziu seu maior sucesso.


Back to Black é o nome do segundo e mais famoso álbum de sua carreira. Reunindo os maiores hits da cantora, a produção foi um sucesso mundial e lhe rendeu alguns Grammys. Em homenagem ao álbum, hoje chega aos cinemas um filme de mesmo nome e que tem o objetivo de narrar o lado mais sombrio da trajetória de Winehouse — como se todo mundo já não tivesse feito isso antes.


Uma personalidade difícil

Amy Winehouse foi descrita por Nick Shymansky, seu amigo e antigo produtor, como uma “garota judia de personalidade difícil". A cantora era conhecida por ser ousada, debochada e não levar desaforo para casa. Algumas pessoas podem achar isso super legal, outras podem não simpatizar muito. Se tratando de um filme, em um primeiro momento fica difícil criar empatia pela jovem Amy.


A personagem é rude, problemática e sua única preocupação, inicialmente, parece ser transar. E talvez isso não chegue a ser um defeito, uma vez que são características da própria Amy real. Porém, um fato descrito por todos aqueles que eram próximos da cantora, é que ela era alguém extremamente meiga e carinhosa com aqueles ao seu redor.


Back to Black foca tanto nos problemas da artista que esquece de explorar esse outro lado — trabalhando isso em, no máximo, duas cenas. Embora tivesse seus defeitos, a artista também era detentora de notáveis qualidades e sua colaboração para o mundo da música é algo lembrado até hoje. O longa se mostra como um desserviço ao reduzir toda a mulher que ela foi em apenas uma viciada que corria atrás de macho.


Um ponto que merece ser elogiado é a performance de Marisa Abela como protagonista. A atriz consegue recriar com fidelidade todos os traços da artista. Marisa consegue entregar todo o encanto presente naquela mulher que se inspirava na moda dos anos 60, tanto na aparência quanto na voz. A escolha de uma atriz britânica também garantiu que nenhum sotaque forçado fosse feito na produção.


Back to Black

Com o desenrolar da trama, a personagem principal vai ganhando mais camadas e sua capacidade de gerar empatia se torna maior. Amy, assim como todo mundo, era uma pessoa cheia de problemas e o longa consegue representar isso. Além dos problemas, a produção também pincela levemente em tópicos íntimos da estrela, como seu desejo de se casar e ser mãe.


O momento em que Amy revela esse seu lado mais pessoal é a melhor qualidade do filme. Também é muito interessante o modo como sua dependência emocional por Blake é trabalhada. Esses aspectos mostram que, por trás da fachada de uma mulher inabalável e que certamente já arrasou muitos corações, existia alguém tão frágil quanto suas “vítimas” passadas e cujo sonho era apenas formar uma família com seu amor.


Confusão na hora de contar uma história

Quando Sam Taylor-Johnson foi anunciada como diretora do projeto, todo mundo ficou com o pé atrás do que poderia sair daí. A diretora carregará para sempre o fardo de ter trabalhado em Cinquenta Tons de Cinza, porém, não é justo julgar eternamente alguém por seus erros passados. Todos merecem pelo menos uma chance de mostrar que podem ser melhores. Dito isto, Sam errou mais uma vez com Back to Black.


Diferente de filmes como Elvis e Rocketman, que apostam em maneiras criativas de se contar a vida de um ídolo, Sam entrega uma direção feijão com arroz para uma trajetória poderosa. E isso não seria problema nenhum, afinal, é melhor apresentar algo simples e bem feito do que uma coisa original e mal desenvolvida. O problema é que a diretora se perde na hora de contar a própria história e entrega um recorte confuso e embaralhado da vida de Amy.


A linha do tempo do filme começa com uma Amy adolescente e que estava iniciando profissionalmente sua vida como artista. Porém, como um passo de mágica, a artista já se torna uma das grandes referências artísticas da Inglaterra. É verdade que a ascensão de Amy foi rápida, mas a maneira como Back to Black apresenta essa subida deixa entender que a cantora se tornou famosa do dia para noite.


Back to Black

Apesar de ser um recurso que considero preguiçoso, a definição clara do período de tempo que o roteiro está trabalhando fez muita falta aqui. Muitos saltos temporais são feitos, fazendo com que o espectador fique confuso sobre qual fase de Amy Winehouse a produção está mostrando naquele momento. Numa hora, ela é a adolescente entrando no mundo musical, na outra, ela já é uma estrela em decadência por conta de problemas com álcool.


Além disso, a montagem do longa também é extremamente problemática. Alguns acontecimentos parecem ter sido apresentados na ordem errada, o que acaba colaborando ainda mais para o sentimento de confusão. Um exemplo disso está próximo ao final, quando acontece a primeira apresentação de “Rehab”, canção que fala sobre a cantora não querer ir para reabilitação. Porém, essa cena se passa depois da reabilitação de Amy, ou seja, ela canta sobre não querer ir para rehab sendo que já tinha ido.


Polêmicas e mais polêmicas

Sempre que alguém se propõe a falar sobre Amy Winehouse, se instaura aquele clima de que “oh meu Deus, vamos falar sobre os podres de sua vida”. Entretanto, isso não é uma abordagem nova e a mídia já fez esse trabalho há muito tempo. É verdade que a vida da cantora foi cercada de diferentes problemas, mas apenas isso não sustenta um roteiro. E, se for para falar dos problemas da cantora, um documentário já fez isso bem melhor há dez anos.


Amy (2015) é um documentário lançado quatro anos após a morte prematura de Winehouse. A produção se destaca por ser um amontoado de diversas imagens de arquivo da cantora, reunindo diversos vídeos que ela e outros amigos gravaram, além de depoimentos de pessoas que eram próximas da cantora. O documentário aborda toda a trajetória da artista de maneira magistral e genuína, mostrando os diversos pontos de vista sobre a figura dessa mulher lendária.


Uma coisa que diferencia o documentário do novo filme é que a produção de 2015 consegue trabalhar de forma impecável tudo aquilo que se propõe. O mesmo não pode ser dito da obra de Sam Taylor-Johnson, que parece escolher muito bem as polêmicas que deseja abordar. Apesar de reforçar o tempo inteiro que a artista tinha problemas com álcool, o longa não faz questão de mencionar em NENHUM momento a depressão pela qual Amy passou e a bulimia que ela desenvolveu posteriormente.


Back to Black

Outro momento que o “clubismo” da produção fica nítido é sobre a figura de Mitchell Winehouse, pai da artista. Enquanto o documentário faz questão de mostrar que ele não se fez presente em momento algum da infância de Amy, o longa opta por ignorar isso e só mostra o fato dele ter se separado da própria esposa. Não só isso, mas como o filme também não se dá ao trabalho de desenvolver como a figura do pai foi prejudicial para a artista.


Atualmente considerado como um dos responsáveis pela decadência de Amy, Mitchell foi acusado por muitos de negligenciar a vida da própria filha. O documentário faz questão de mostrar que o pai foi uma peça chave para Amy não ter ido para a reabilitação logo na primeira oportunidade. Não só isso, como retrata ele quase obrigando a cantora a tirar fotos com fãs quando claramente não estava confortável com a situação.


Back to Black

Saindo dos problemas paternos e indo para os problemas afetivos, Blake Fielder-Civil desenvolve um papel quase de protagonista em Back to Black — o que é um erro, uma vez que este filme não é dele. O longa retrata um Blake saído diretamente da coitadolândia, fazendo com que ele pareça como um anjo casado com uma verdadeira demônia. A verdade é que ninguém nessa relação era santo.


Diferente do filme, que mostra Amy tomando a iniciativa para beijar Blake na frente da namorada dele, o documentário faz questão de retratar o quão doente era esse casal. Quando se conheceram, os dois estavam em um relacionamento, mostrando que a artista também não era “flor que se cheire” quando se tratava de namoros. Os dois impulsionam o que havia de pior em cada um e, apesar de literalmente falar isso em certa parte do filme, a obra de 2024 não consegue retratar esse fato de uma forma orgânica.


Blake parece ser uma vítima apaixonada por uma mulher violenta, que periodicamente tem surtos de raiva e problemas com vícios. Enquanto na vida real, ele foi o responsável por introduzir a artista às drogas mais pesadas, além de ter diversas crises de ciúme e praticar autoflagelação. Blake cortava os pulsos desde a pré-adolescência, sendo alguém claramente desestabilizado psicologicamente e que consecutivamente piorou o estado mental da artista.


A prática de se cortar é algo mencionado apenas no final do filme, o que colabora para a imagem de “inocente” que o longa tenta construir sobre Blake. Certamente ele não foi o único responsável pela derrocada da cantora e é injusto jogar a culpa completa nele, porém, retratá-lo como um santo parece uma versão enviesada do que realmente aconteceu naquela época.


Back to Black

Porém, um grande acerto aqui é a maneira como os paparazzi são retratados de forma tóxica e invasiva. O longa consegue transmitir o desconforto sentido por alguém que não consegue sair de sua própria casa sem um milhão de câmeras tirando fotos suas. Ainda nos dias de hoje, há quem tenha uma imagem errada de Amy por conta da maneira com a qual ela reagia à imprensa. Retratar esse outro lado é uma forma muito boa de conscientizar sobre os perigos por trás da violação extrema da privacidade de um artista.


Veredito

Eu particularmente nunca gostei de Amy Winehouse. Embora reconhecesse sua importância para o mundo da música, nunca me senti atraído por suas produções e tinha uma impressão negativa sobre ela como pessoa. Isso mudou depois de conhecer alguém que era muito fã da cantora e, quando soube que um filme sobre essa artista seria lançado, vi a oportunidade perfeita de tentar descobrir o que em Amy encantava tanto essa pessoa.


Mesmo iniciando a produção com aquele olhar de certo contragosto sobre a figura da artista, com o tempo fui criando afeição por ela e entendendo seus problemas. Apesar do longa possuir uma extensa lista de erros, ele foi responsável por me gerar o interesse de procurar consumir mais sobre aquela figura. Não à toa, a primeira coisa que fiz ao sair da sessão do cinema foi escutar Back to Black inteiro e assistir ao documentário de 2015.


Mesmo não conseguindo entregar a grandiosidade que a artista merecia e sendo uma retratação questionável daquilo que aconteceu, a produção conseguiu fazer o mais importante: despertar o interesse sobre quem era Amy Winehouse. Se comparado às cinebiografias recentes, como a de Bob Marley, o longa de Sam Taylor-Johnson se destaca como a menos pior dessa leva — o que é bem triste, dado que essa história renderia algo bem melhor que isso.


Back to Black

Back to Black é como um quebra cabeças com peças muito boas. O filme possui cenas e diálogos bons separadamente, mas quando formam um todo dão origem a um produto confuso, perdido e que não consegue explorar com destreza o background da maior artista britânica de todos os tempos. Apesar disso, a performance de Marisa Abela é brilhante e sua personagem consegue ser interessante o suficiente para fazer com que o público se sinta interessado a buscar a VERDADEIRA história de Amy Winehouse.


Nota: 3/5 🍷🏠



1 comentario


Invitado
05 dic 2024

Este filme vai ser muito legal gostei


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