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CRÍTICA | Anatomia de Uma Queda é um julgamento pessoal

Atualizado: 8 de jun. de 2024


Arte de Capa Anatomia de Uma Queda

Iniciando a maratona do Oscar 2024 no Moqueka, temos “Anatomia de Uma Queda”. O filme é uma produção francesa e está indicado a 5 categorias na premiação da Academia de Artes Cinematográficas Americana, sendo elas: Melhor Filme, Melhor Direção (Justine Triet), Melhor Atriz (Sandra Hüller), Melhor Roteiro Original (Justine Triet e Arthur Harari) e Melhor Edição (Laurent Sénéchel). Mesmo com todo esse sucesso, o longa não foi o escolhido da França para os representar e Melhor Filme Internacional, visto que o filme possui uma boa parte de seus diálogos em inglês. 


Sandra Voyter (Sandra Hüller) é uma escritora de sucesso que está sendo entrevistada em sua casa, um chalé localizado em uma parte remota de Grenoble, na França. O bate papo ganha fim devido a intromissão do marido de Sandra, Samuel Maleski (Samuel Theis), que põe música em um volume desconcertante. Seu filho, Daniel (Milo Machado), é deficiente visual e acompanhado de seu cachorro, Snoop, vão brincar na neve, em seu retorno, o garoto acaba encontrando o corpo de seu pai sem vida, logo abaixo da sacada. Como era a única outra pessoa na casa durante a fatalidade, Sandra é tida como suspeita de assassinato e levada a tribunal, mesmo alegando que não o fizera, mas sim que o marido havia cometido suicídio. 



Anatomia de Uma Queda é um filme que se passa primordialmente em dois ambientes, a casa em que Sandra, Samuel e Daniel vivem e dentro de um tribunal, o qual Sandra ponto focal no debate sobre a morte de seu marido. Durante todo o julgamento, a vida íntima daquele casal é posta à tona, mesmo que ao senso comum eles se davam muito bem, o interior mostrava muito mais rusgas do que ternura. Os dois passaram por um momento traumático, em que após um acidente o filho perdeu a visão, assim abalando completamente a relação que havia entre eles. 


Não temos aqui um clássico drama de corte, no qual seríamos levados a uma conclusão para que ao fim teríamos um heroico plot twist, nada em Anatomia de Uma Queda é heroico. O filme não busca fazer um julgamento às claras, nos mostrando tudo para finalizar o quebra-cabeça, é uma obra de apresentações, reações e fechamentos, se quiser tirar qualquer conclusão, é por sua conta e risco. As visões, possibilidades e alternativas são postas em pauta, o longa as trata, as expõe, mas deixa claro, essa não é a verdadeira questão.


O filme busca muito mais do que apenas julgar um caso e decidir se foi um assassinato ou suicídio, mas sim as implicações de um relacionamento que levam a qualquer uma dessas duas casualidades. O longa convida o espectador a fazer parte do espetáculo, nós observamos tal qual um membro do júri, tiramos conclusões e temos opiniões. É possível traçar os paralelos de até onde vai a midiatização exacerbada desse processo em meio a um caso tão dúbio, que para certos olhares, irá pender para uma tentativa de increpar a figura feminina.


A direção de Justine Triet é muito esperta na forma em que busca o momento exato de entregar devidas informações. Enquanto no primeiro momento somos convencidos de coisas tratadas como quase irrefutáveis, na cena seguinte recebemos um contraponto, uns são mais críveis que outros, mas comprá-los vai de cada um. Por mais que o trabalho da diretora seja realmente muito interessante, existe problema no pacing da narrativa, 2h30m são bastante coisa, não é qualquer cena ou diálogo que vai manter o interesse constante. Então, existe uma certa queda e desânimo já para o terço final, o que acaba por atrapalhar a conclusão.


Um dos temas recorrentes na principal cena do filme é sobre a imposição em meio a localidade e linguística. Sandra é uma mulher alemã, que morava na Inglaterra e agora se encontra na França, país de seu marido e que possui um idioma o qual não tem total domínio. A personagem vê na língua inglesa uma forma de se impor, posicionando que mesmo após ser tirada de seu habitat ela ainda está no controle, com sua sisudez inabalável.


Essa característica traz um grande diferencial a atuação de Sandra Hüller, que entrega uma das melhores performances do ano. Sua busca por presença e jeito assertivo são fundamentais, uma mulher que não tem parcimônia é incrivelmente incisiva. Os dois idiomas falados pela atriz trazem pesos distintos para a narrativa, implicando no cerne da protagonista e valorizando suas qualidades e defeitos e Hüller lida com tudo isso de forma magistral. Sua indicação ao Oscar é mais do que justificável, é algo que deveria ser obrigatório, sua entrega é completa, as sutis transformações, as pequenas deixas, tudo parte de uma grande atuação.


O seu elenco de apoio não deixa nenhum pouco a desejar. Destaque ao jovem Milo Machado Graner está entregue ao papel, mesmo enxergando normalmente ele consegue convencer o público que realmente possui deficiência visual, visto suas expressões tão genuínas e cheias de ternura. Antoine Reinartz como promotor é simplesmente avassalador, ele utiliza o tribunal como seu palco, deslizando de um lado para o outro como uma cobra na espreita de sua vítima, dono de uma imposição fenomenal e impressionantes quebras cômicas, seu personagem traz tudo de melhor que há em um “vilão”. Samuel Theis não tem muitas cenas para explorar o falecido marido, mas nas partes em que ganha a chance, se mostra um verdadeiro colosso, fazendo frente até para Hüller.


Anatomia de Uma Queda é longo, pesado e para alguns até exaustivo, mas em seu cerne é um debate que vai além de como algo aconteceu e sim de o que levou isso a acontecer. Não é sobre apoiar ou acreditar em uma visão, é sobre estar ao lado e não negligenciar situações que podem se tornar fatais, como a própria Sandra diz, o casamento é de fato um grande caos, mas existe muito mais do meros recortes que ao serem expostos não vão mostrar toda a situação.

Nota: 4/5



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