COMO SER ARTISTA DE TEATRO EM SALVADOR
- Giulia Gazar
- 23 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Quando foi a última vez que você foi à uma peça teatral? Conhecido como a quinta arte, o teatro é uma arte milenar que trabalha com a expressão do ser humano; é um local de debate, que mexe com os sentidos e sentimentos e tem o poder de propagar histórias e conhecimento. Um artista vive milhões de vidas no exercício dessa arte. Assistir uma peça teatral pode transformar uma vida. Participar também.
Apesar de todo esse poder, o teatro se encontra numa crescente decadência. É raro ouvir alguém dizer “vamos na peça que vai ter amanhã?” Ou “sabia que vai estrear essa peça?” Não há muito tempo atrás, ainda passavam propagandas de peças na televisão, agora já não é mais tão comum. O consumo dessa arte tornou-se uma coisa nichada, é triste dizer, mas talvez até obsoleta. Continua consumindo, ou quem faz parte do ramo, ou quem já consumia. Outro agravante para essa queda com certeza foi a pandemia, tudo que tem ligação com a arte no geral acabou sofrendo muito com o isolamento, além de que, mesmo pós pandemia, as práticas culturais seguem enfraquecidas.
Mas a pergunta que fica é: com o cenário atual, como ficam os artistas de teatro em Salvador?
A arte existe para expressar o inexpressável, jogar para fora o que vem de dentro. Existem muitos motivos que levam uma pessoa a virar um artista. Motivos esses que podem ser como os de Gouvêa Lordello, artista que começou no teatro desde criança e conta que já não sabe mais como é não fazer parte desse universo, ou como Lucas dos Anjos que entrou no teatro ao conhecer a esposa, desenvolvendo a paixão por essa arte ao lado da paixão pela companheira. Pessoas diferentes, histórias diferentes, mas narrativas que dizem “o teatro me escolheu”, todos unidos pelo mesmo propósito, viver a arte.
“Se você é um artista, não tem jeito, a sua alma é da arte para sempre” - Cathi Farias, atriz de Salvador
O teatro enfrenta problemas em qualquer lugar do mundo, mas cada lugar tem suas particularidades. Em salvador, cidade de um povo que “fala cantando” segundo os que ouvem o sotaque de fora, cidade cuja história é banhada em arte e cultura, cidade com grandes teatros como o TCA (Teatro Castro Alves), ainda assim, ser artista de teatro pode ser uma luta constante para viver fazendo o que ama.
Dentre os desafios vivenciados pelos praticantes da 5ª arte, estão a falta de incentivo e divulgação, muito por conta da decadência do interesse popular pelo nicho, mas acaba sendo uma via de mão dupla. Não tem como surgir o interesse, se não houver divulgação, assim como não vai ser vantajosa a divulgação se o público não demonstra interesse. Além disso, há uma concentração da cena cultural de Salvador, não apenas física, pelo fato da maioria dos teatros estarem localizados na região central da cidade, mas também no sentido de não abrigar outros tipos do “fazer teatro” , como diz Lucas dos Anjos.
Outro ponto de dificuldade aparece quando novos artistas tentam entrar no meio, e, segundo Cathi Farias, “Em Salvador, o meio artístico é meio fechado, já existem as panelinhas formadas na maioria dos lugares. Contato é tudo e você precisa ser visto para entrar nos grupos que realmente vão te projetar” . Apesar disso, existe uma união na comunidade teatral, como uma lei invisível que diz que um deve apoiar o outro, unidos com o objetivo de não deixar essa arte morrer, por isso, os próprios artistas são grandes frequentadores das peças da cidade, ouso dizer que boa parte do público consumidor de teatro, faz parte, de alguma forma, dessa comunidade.
Existem grupos interessantes de teatro em Salvador que merecem mais atenção e visibilidade, como o teatro Griô. Ao abrir o site do projeto logo se repara que eles se identificam como “um grupo de pesquisa e prática do teatro, tem como fonte de inspiração a arte dos contadores de história de matriz africana, artistas populares e palhaços, que representam a verdadeira essência humana com sua simplicidade, humor e poesia.” Além disso, é um grupo muito diverso, com bibliotecárias, sanfoneiras, palhaços e, é claro, contadores de história, trazendo sua arte para a cidade e também oferecendo cursos e oficinas, tanto infanto-juvenis, quanto para qualquer um que queira iniciar na arte de contação de histórias.
O teatro é uma forma de arte importante, já foi muito utilizada na história como parâmetro do pensamento popular, local de debate e denúncia, mas também local de prazer, diversão e entretenimento. Muitas escolas têm projetos de teatro na grade, outras têm o costume de levar as crianças às peças, mas ainda é muito pouco, e muitas vezes tratado até com certo descaso. É uma arte que não pode morrer e merece ter mais visibilidade e dignidade.
“A cidade precisa de políticas públicas de fomento à cultura e mais espaços que possam abrigar espetáculos, de preferência que estejam mais espalhados pela cidade, em lugares de mais fácil acesso para quem mora longe do centro ou não tem condição de se locomover com muita facilidade.” - Gouvêa Lordello

Foto: Acervo pessoal
“Logo de cara, o teatro teria de ser colocado como matéria padrão em escolas, desde o ensino básico, para que essas crianças cresçam e aprendam que o lúdico faz parte do nosso dia a dia e que aquele espaço pode passar muitas mensagens, inclusive sociais” - Lucas dos Anjos

Foto: Ramón Batista
“Infelizmente, ainda precisamos bater na tecla sobre valorização... no cenário de Salvador, precisamos lidar com baixos cachês mesmo em trabalhos intensos, pessoas querendo se aproveitar da boa vontade de artistas iniciantes ou que não conseguem outras oportunidades. É um meio muito predatório nesse sentido.” - Cathi Farias

Foto: Patrícia Guerra
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