Como Minecraft reacendeu a chama do meu coração bucólico
- Alan Pinheiro
- 19 de ago. de 2024
- 2 min de leitura

Em meio a um mar cinza e bege de construções que se entrelaçam e confundem os olhares do cidadão médio de uma metrópole, não há como escapar o sentimento de querer um refúgio para o olhar. Nem mesmo os céus deixam essa missão mais fácil. Quando olho para cima em busca de uma paisagem mais amena, as nuvens tomam conta dos limites da visão e a chuva cai. Tudo em prol de formar uma imagem fosca da realidade.
Se me vejo preso em meio ao meu quarto, é diante de uma tela que busco um lar calmo. Não deveria ser, mas dentre as opções existentes, é o cenário que sobrou. Em uma tentativa de reacender uma chama que pulsava na infância, volto ao lar que já me proporcionou momentos de alegria, Minecraft. É tempo de gerar um novo mundo e cá estou eu novamente exposto a um reflexo do antigo eu.
Agora, como esperado, cada quadrado desta experiência tem um novo significado. Envelhecer também é começar a perceber as coisas de forma diferente, interpretar as mesmas ações com ainda mais profundidade.
Toda a motivação de quebrar alguns blocos, avançar contra criaturas selvagens e ir galgando novas conquistas não me serve mais. A rotina da semana desgasta e, quando chego em casa, apenas resquício de quem eu sou sobra para lidar com tudo. Antes de questionar a minha volta a este mundo, comecei a perceber a vida dentro dessa experiência. Por trás de toda a programação, há um certo charme em toda a paisagem gerada. Nenhum mundo é igual a outro e aquele em que estava era o meu mundo, meu refúgio.
Quase como um senhor de idade sentado à cadeira de balanço na varanda de casa, parei de tentar avançar e apenas estagnei observando como tudo ao meu redor funcionava independente das minhas ações. O verde das colinas que saltava aos olhos, as montanhas que pareciam furar os céus, os animais que se alimentavam e continuavam a viver, tudo parecia “natural”. Sei que é difícil de entender, mas acabei encontrando pureza, beleza e espiritualidade naquela natureza.
Mesmo com um botão sendo capaz de parar todo aquele ecossistema, comecei a valorizar mais o passar do tempo apenas como um observador. De um passatempo, o jogo se tornou uma válvula para uma experiência bucólica inesperada.
Torno a ver-vos, ó montes; o destino
Aqui me torna a pôr nestes outeiros,
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da Corte, rico e fino.
Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os míseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.
Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia
Que, da Cidade, o lisonjeiro encanto,
Aqui descanse a louca fantasia,
E o que até agora se tornava em pranto
Se converta em afetos de alegria.
A poesia dos inconfidentes, Cláudio Manoel da Costa.
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