Caça às Bruxas | Origem e representação
- Alan Pinheiro
- 28 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Este texto originalmente foi escrito para o Blog da Athena, mas encontra em 2024 uma atualização.

Elas têm chapéus pontudos, vassouras voadoras, risadas estridentes, feitiços fantásticos e uma grande verruga no nariz que parece que vai explodir a qualquer momento. Essas são algumas das características que podem ser encontradas nas mais comuns representações das bruxas na cultura popular, como no conto de João e Maria ou no famoso O Mágico de Oz. O mais curioso, no entanto, é que essas feiticeiras ocupam, na maioria das vezes, os papéis de antagonistas dessas histórias. E mesmo quando não estão nessa posição, ainda assim carregam um estereótipo negativo. Para além da ficção, uma história milenar envolvendo religiões e perseguições a mulheres explica o motivo das bruxas terem se tornado um ícone da vilania.
Durante a Idade Média, a Igreja Católica exercia seu poder através da enorme influência que tinha sobre a sociedade da época. Porém, ainda existiam pessoas que praticavam outras religiões e eram consideradas pagãs. Por isso, os tribunais de Santa Inquisição foram criados para combater heresias e difamações ao deus do catolicismo, julgando os devotos que não seguiam os dogmas ou regras da instituição religiosa.
Foi apenas em meados do século XV, com a assinatura da bula papal Summis desiderantes, que a bruxaria foi adicionada à lista de motivos para a aplicação de um julgamento. Com o documento assinado pelo Papa Inocêncio VIII, a caça às bruxas foi oficializada e uma parcela específica da população sofreu a maior parte das perseguições pelos inquisidores: as mulheres.
O Martelo das Bruxas, ou Malleus Maleficarum, é um livro escrito em 1486 por dois inquisidores alemães, Heinrich Kraemer e James Sprenger, e que foi utilizado como um manual de instruções nos tribunais contra as vítimas julgadas por bruxaria. Nesse livro, as mulheres são descritas como pertencentes ao “sexo frágil", por isso eram “mais débeis de mente e de corpo” e naturalmente propensas a deslealdade e ao vício, não tendo controle de suas virtudes e de seus desejos. Assim, elas acabariam se entregando facilmente às tentações do demônio.

É possível encontrar também outras passagens que relacionam diretamente o sexo feminino à maldade do mundo. O discurso propagado sobre as mulheres já era carregado de afirmações sexistas e desmoralizantes, porém essa associação entre elas e os seres demoníacos institucionalizou a violência e deixou marcado na história a misoginia praticada em nome da Igreja Católica.
Mas quem eram essas chamadas de bruxas? Majoritariamente eram camponesas comuns que tinham sabedoria para curar doenças com ervas medicinais, realizar partos e outros tipos de conhecimento considerados inadequados pela Igreja. Além disso, as mulheres que se divorciaram, abortaram ou cometeram alguma ação moralmente questionável, para a sociedade da época, também foram sentenciadas à forca ou a serem queimadas vivas. Surtos de doenças, más colheitas e até a ocorrência de fatos banais no cotidiano foram o suficiente para aumentar o número de mulheres inocentes mortas. No fim, a caça às bruxas foi apenas mais um capítulo na história do ódio.
Foram com as obras literárias de Charles Perrault e dos irmãos Grimm que as características pelas quais as bruxas são mais conhecidas foram propagadas e se consolidaram no imaginário popular, principalmente com os contos de fada, como A Branca de Neve e Rapunzel, ocupando constantemente o papel de vilãs nessas histórias.
No ano de 1903, o curta Le Puits Fantastique de Georges Méliès estreou nos cinemas da França e dos Estados Unidos, trazendo a primeira representação de uma bruxa para as grandes telas. Nos quase 4 minutos de curta, após um homem negar ajuda a uma senhora que estava passando no local, ela revela-se como uma bruxa e amaldiçoa o poço da vila, o que dá início a eventos como a água se transformar em fogo e o aparecimento de cobras e demônios. O curta está disponível no Youtube.
Com o passar do tempo, a imagem da bruxa foi ressignificada pelo movimento feminista. Matilda Joslyn Gage foi uma autora e ativista pelos direitos das mulheres, defendendo causas como o sufrágio feminino e universal, além do reconhecimento dos créditos aos trabalhos realizados por cientistas mulheres. Mas para além disso, Matilda foi a primeira feminista a reinvidicar o título de bruxa e o relacionar com a luta contra o patriarcado, o que estabeleceu essa figura como um símbolo de resistência. A grande influência da americana serviu de inspiração para a criação da personagem Glinda, no livro O Mágico de Oz, que foi a primeira bruxa representada de forma positiva na cultura popular.
A partir de 1939, com a adaptação do livro para o cinema, as produções audiovisuais começaram a quebrar o estereótipo existente, diversificando a imagem da bruxa. E quanto mais o movimento feminista foi se desenvolvendo, mais pluralidade era vista na televisão e na tela do cinema. Além disso, as histórias também ganharam novos rumos, ficando mais complexas. A abordagem de temáticas sociais, como os direitos civis, a perseguição contra minorias e o poder da mulher, se tornou característica comum nas novas narrativas. Com isso, as bruxas se firmaram como um símbolo de representação. Não só para mulheres feministas, mas também para a população LGBTQIA+.

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